Conheça o Anjinho de Petrópolis
por Aline Rickly
Tribuna de Petrópolis - Domingo, 17 de novembro de 2013 - Ano CXII - Nº 34.
Conheça o Anjinho de Petrópolis
Conheça o Anjinho de Petrópolis
por Aline Rickly
Página de capa:
Foto Aline Rickly
Página 3:
Acima, a página 3 inteira, tal como foi publicada pela Tribuna de Petrópolis.
Conheça o Anjinho de Petrópolis
Aline Rickly
Uma
cena que está se tornando cada ano mais comum no Cemitério Municipal vem
despertando a atenção e curiosidade dos petropolitanos. Os visitantes que
passam pela sepultura 685 se surpreendem ao se deparar com uma grande
quantidade de brinquedos espalhados (mais de uma centena entre carrinhos, bolas
e bonecos, além de flores e moedas) por um túmulo de aproximadamente 1 metro de comprimento. A
campa pertence a Francisco José Alves Souto Filho, que morreu aos 3 meses, no
dia 9 de abril de 1872, e está sendo cultuado por petropolitanos que dizem que
o menino é um santo milagreiro. A criança ganhou o apelido de Francisquinho ou
Anjinho Petropolitano, por causa da imagem de um anjo que está colocada em cima
do túmulo, e é neto do Visconde de Souto, um dos amigos mais próximos de D.
Pedro II.
De
acordo com relatos de pessoas que acreditam no poder da criança, a cada milagre
realizado, um brinquedo é colocado em cima da campa. Se esta informação for
levada em conta, nos últimos tempos mais de 100 pedidos foram atendidos pelo
menino. Embora o culto aos santos de cemitério seja alvo de discussões que
envolvem a fé, espiritualidade e religião, inúmeras pessoas continuam
acreditando no poder da criança de conceder milagres. Há dois meses, Sebastiana
dos Santos, que trabalha na limpeza do cemitério há mais de 13 anos, fez um
pedido para o menino. “Pedi que meu filho, que tem problemas com álcool,
parasse de beber, e ele já parou”,disse ela, que, como forma de agradecimento,
deixou um brinquedo em cima do túmulo.
A procura pela campa de
Francisquinho também está cada vez mais frequente. Embora seja no Dia de
Finados que receba o maior número de visitantes, nos dias normais também tem
gente procurando por ele. “Sempre tem pessoas perguntando onde está o anjo que
faz milagres”, contou Anézia Faria, que também trabalha no local.
Segundo Marisa da Silva Gomes, chefe
do Arquivo Histórico, da Biblioteca Municipal de Petrópolis, a história dos
milagres começou quando um senhor, que era responsável pela limpeza das
sepulturas, fez um pedido para curar a úlcera. “Ele foi atendido e começou a
contar para as pessoas, que passaram a acreditar e sempre que um milagre é
concedido deixam um brinquedo para o menino”, disse.
O filho do senhor que limpava as
sepulturas, atualmente encarregado da mesma função, não quis se identificar,
mas contou que o pai, falecido há 8 anos, realmente contava esta história. “Eu
acho que era loucura”, criticou. Ele relatou que o pai encontrou a sepultura
abandonada há mais de 30 anos e, desde então, se responsabilizou por limpar e
cuidar dela. “Depois que ele morreu, a responsabilidade passou para
mim”,revelou.
Registros históricos afirmam
que o casal não teve filhos
Segundo registros históricos,
Francisco José Alves Souto, filho do Visconde de Souto (Antônio José Alves
Souto), casou-se pela primeira vez com Maria Luísa de França e Silva, mas não
teve filhos. Apenas com a segunda esposa, chamada Maria Lapa de Salles
Oliveira, é que teve cinco filhos.
A informação pode ser contraditória,
pois no túmulo de Francisquinho consta que Maria Luiza era sua mãe.
Curiosamente, na certidão de óbito da criança, que está na Catedral São Pedro
de Alcântara, está registrado apenas o nome do pai. “Francisco morava no Rio de
Janeiro e não sabemos por qual motivo ele estava em Petrópolis”, contou Marisa.
O pesquisador Lauro de Sá contou que
a placa do túmulo é recente, no sentido que deve ter sido colocada há uns 20
anos, e que considera intrigante o fato de não constar o nome da mãe na
certidão. Ele também acredita que há possibilidade de Maria Luísa ter sido
moradora de Petrópolis e que o filho tenha nascido na cidade. “O pai do
Francisco, o Visconde de Souto, era um dos melhores amigos de D. Pedro II e por
isto era normal que a família visitasse a cidade com frequência, o que pode ter
sido uma forma dele ter conhecido a Maria Luísa aqui. Naquela época, não era
comum viajar com crianças pequenas porque a viagem do Rio de Janeiro até
Petrópolis era muito longa”, acrescentou.
Lúcia Helena Souto
Martini, sobrinha-neta de Francisco José Alves Souto Filho, o Anjinho de
Petrópolis.
Durante a apuração da matéria, a
equipe da Tribuna encontrou o bisneto de Francisco José Alves Souto, chamado
Francisco Souto Neto, que reside em Curitiba. Ele está trabalhando em uma biografia
que conta toda a história de seu trisavô, o Visconde de Souto. “Pesquisei mais
de 600 títulos junto com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, filha de
Jacyra Souto. Em todos os registros, a informação é de que no primeiro casamento
meu bisavô não teve filhos”, contou ele, que ficou sabendo sobre a história do
Francisquinho através da equipe de reportagem da Tribuna.
“Meu bisavô é uma figura nebulosa na
nossa história familiar”, revelou. Além disso, ele ressaltou que cinco gerações
são um período considerável para que muitas informações a respeito da história
dos familiares se percam. O livro escrito pelos primos, composto por 317
páginas, está aguardando patrocínio para ser publicado, mas antes disso,
Francisco assegurou que, com essa informação sobre a criança, irá ter que rever
o capítulo em que fala do seu bisavô. “Certamente teremos que alterar este
item, atualizando os dados. Fico muito feliz que esse pequeno petropolitano não
tenha caído no esquecimento e, de certa maneira, renasce na memória de todos
encontrando a perpetuidade merecida através dos prodígios da fé”, enfatizou.
Sobre o falecimento do bisavô, ele
disse não ter muita informação, mas acredita que ele tenha morrido com febre
amarela. “Também não sei onde ele e Maria Luísa viviam e nem onde foram
sepultados”, contou.
Francisco Souto Neto,
sobrinho-neto de Francisco José Alves Souto Filho, o Anjinho de Petrópolis.
Francisco ressaltou que há falta de
informações sobre o primogênito do seu bisavô e é justamente porque o casal
morreu muito cedo. "Ao casar-se com Maria da Lapa e ter formado numerosa
família,os laços com Francisquinho foram esquecidos pelas gerações que se
seguiram". Em contato com a administração do Cemitério Municipal,
informaram que os registros antigos não foram digitalizados e que não era
possível conseguir a informação até o fechamento da edição.
No lugar da fotografia, o jornal publicou o esquema da ancestralidade de Francisco Souto Neto, ligando-o ao "Francisquinho" (o Anjinho de Petrópolis) e ao Visconde de Souto.
Também não foi possível identificar
o local em que
Francisquinho nasceu, já que o hospital mais antigo da
cidade, o Hospital Santa Teresa, foi fundado em 1876, quatro anos, após o
nascimento da criança. Desta forma, se o nascimento dele aconteceu em
Petrópolis, presume-se que possa ter sido através de uma parteira ou em uma
casa de saúde que existia na época, da qual não se possui mais informações.
Bispo vai pesquisar a história
do menino
De acordo com o bispo dom Gregório
Paixão, o caso deve ser estudado com profundidade e prudência, para que não
caia no misticismo. “Tive um pequeno conhecimento sobre o assunto no Dia de
Finados, mas preciso conhecer a história a fundo”, ressaltou. Sobre a
possibilidade de que Francisquinho possa ser canonizado, ele destacou que é um
grande processo até chegar a esse ponto. “Se for verdade que a cada milagre
concedido, um brinquedo é depositado no túmulo dele e, se tem mais de 100
brinquedos, realmente é um caso impressionante e vamos avaliá-lo. Tem que ser
feito um estudo para saber sobre os milagres que ele fez. Sendo coisas
excepcionais vale a pena aprofundar os estudos. Vou pedir uma investigação
sobre o assunto a paróquia do Sagrado Coração de Jesus, que fica próxima ao
cemitério”, garantiu.
Dom Gregório explicou que os santos
milagreiros são intercessores de Jesus Cristo, sendo assim, eles auxiliam os
pedidos; “O que acontece, na verdade, é que as pessoas pedem o milagre a Jesus,
por intercessão da criança”.
Família Souto
Requerimento dirigido em 19.2.1868 ao Vigário Capitular do Rio de Janeiro, por Francisco José Alves Souto, pedindo permissao para realizar seu casamento com Maria Luíza de França e Silva na capela particular de seus pais, o Visconde e a Viscondessa de Souto. (Documento original pertencente ao acervo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro).
Francisco José Alves Souto, pai de
Francisquinho, nasceu em 20 de março de 1846, no Rio de Janeiro e morreu em
1890, aos 44 anos. Não se sabe exatamente o dia e o mês de sua morte, nem as
causas. Ele foi o sexto filho de Antônio José Alves Souto, o Visconde Souto,
que nasceu em Portugal, em 28 de março de 1813 e morreu em 14 de fevereiro de
1880. O Visconde foi fundador da Casa Souto, uma das mais importantes
instituições financeiras do país, no século XIX que teve sua fase de
prosperidade durante o bom período da produção cafeeira.
Antônio trabalhou na Corte como
corretor de títulos e de outros valores. Segundo os registros, ele tinha título
de nobreza e gozava de muito prestígio junto à colônia portuguesa fluminense.
Em 1857, com a crise do café, a casa
entrou em crise, com quedas acentuadas nas exportações e nas cotações dos
preços do café no mercado mundial.
Mesmo após ter conseguido inúmeros
empréstimos com o Banco do Brasil, a Casa Souto acumulou uma dívida de 22 mil
contos de réis, o que correspondia à metade do capital do Banco do Brasil, o
que tornou impossível conseguir o dinheiro para pagar as dívidas.
A falência da Casa Souto foi
responsável, em 1865, por uma queda comercial, baixa do câmbio e dos valores
dos imóveis, decesso das ações de companhias e elevação do preço da moeda de
ouro.
Santos de cemitério
Em Petrópolis, Francisquinho é o
primeiro cultuado pela população e dito como santo de cemitério, mas pelo país
afora é possível encontrar outras pessoas que morreram e fazem milagres.
Segundo Lauro, esta é uma forma simples e popular de santificar determinadas
pessoas a partir do culto e da reverência de sua sepultura. De acordo com ele,
existem casos em que um santo de cemitério acaba sendo reconhecido no Vaticano.
Um exemplo é o menino paulista Antônio da Rocha Carmo, que nasceu em 1918 e
faleceu aos 12 anos de idade. Ele passou a ser reconhecido como Santo
Antoninho, o Santo do Povo, e seu processo de beatificação foi aberto em 2007.
O pesquisador citou outros casos, como o da Maria Degolada, uma jovem que foi
assassinada pelo namorado em novembro de 1889, e o da Odetinha, que morreu
vítima de uma doença infecciosa de origem bacteriana. O processo de
beatificação e canonização de Odetinha foi aberto em janeiro pela Arquidiocese
do Rio.
Aline Rickly
Redação Tribuna
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