segunda-feira, 18 de novembro de 2013

CONHEÇA O ANJINHO DE PETRÓPOLIS por Aline Rickly

Conheça o Anjinho de Petrópolis
 por Aline Rickly
 
Tribuna de Petrópolis - Domingo, 17 de novembro de 2013 - Ano CXII - Nº 34.


Conheça o Anjinho de Petrópolis

 por Aline Rickly 

Página de capa:

 

Foto Aline Rickly

Página 3:
 

Acima, a página 3 inteira, tal como foi publicada pela Tribuna de Petrópolis.
 
 
Conheça o Anjinho de Petrópolis
Aline Rickly
 
Uma cena que está se tornando cada ano mais comum no Cemitério Municipal vem despertando a atenção e curiosidade dos petropolitanos. Os visitantes que passam pela sepultura 685 se surpreendem ao se deparar com uma grande quantidade de brinquedos espalhados (mais de uma centena entre carrinhos, bolas e bonecos, além de flores e moedas) por um túmulo de aproximadamente 1 metro de comprimento. A campa pertence a Francisco José Alves Souto Filho, que morreu aos 3 meses, no dia 9 de abril de 1872, e está sendo cultuado por petropolitanos que dizem que o menino é um santo milagreiro. A criança ganhou o apelido de Francisquinho ou Anjinho Petropolitano, por causa da imagem de um anjo que está colocada em cima do túmulo, e é neto do Visconde de Souto, um dos amigos mais próximos de D. Pedro II.

De acordo com relatos de pessoas que acreditam no poder da criança, a cada milagre realizado, um brinquedo é colocado em cima da campa. Se esta informação for levada em conta, nos últimos tempos mais de 100 pedidos foram atendidos pelo menino. Embora o culto aos santos de cemitério seja alvo de discussões que envolvem a fé, espiritualidade e religião, inúmeras pessoas continuam acreditando no poder da criança de conceder milagres. Há dois meses, Sebastiana dos Santos, que trabalha na limpeza do cemitério há mais de 13 anos, fez um pedido para o menino. “Pedi que meu filho, que tem problemas com álcool, parasse de beber, e ele já parou”,disse ela, que, como forma de agradecimento, deixou um brinquedo em cima do túmulo.

A procura pela campa de Francisquinho também está cada vez mais frequente. Embora seja no Dia de Finados que receba o maior número de visitantes, nos dias normais também tem gente procurando por ele. “Sempre tem pessoas perguntando onde está o anjo que faz milagres”, contou Anézia Faria, que também trabalha no local.

Segundo Marisa da Silva Gomes, chefe do Arquivo Histórico, da Biblioteca Municipal de Petrópolis, a história dos milagres começou quando um senhor, que era responsável pela limpeza das sepulturas, fez um pedido para curar a úlcera. “Ele foi atendido e começou a contar para as pessoas, que passaram a acreditar e sempre que um milagre é concedido deixam um brinquedo para o menino”, disse.

O filho do senhor que limpava as sepulturas, atualmente encarregado da mesma função, não quis se identificar, mas contou que o pai, falecido há 8 anos, realmente contava esta história. “Eu acho que era loucura”, criticou. Ele relatou que o pai encontrou a sepultura abandonada há mais de 30 anos e, desde então, se responsabilizou por limpar e cuidar dela. “Depois que ele morreu, a responsabilidade passou para mim”,revelou.

Registros históricos afirmam que o casal não teve filhos

Segundo registros históricos, Francisco José Alves Souto, filho do Visconde de Souto (Antônio José Alves Souto), casou-se pela primeira vez com Maria Luísa de França e Silva, mas não teve filhos. Apenas com a segunda esposa, chamada Maria Lapa de Salles Oliveira, é que teve cinco filhos.

A informação pode ser contraditória, pois no túmulo de Francisquinho consta que Maria Luiza era sua mãe. Curiosamente, na certidão de óbito da criança, que está na Catedral São Pedro de Alcântara, está registrado apenas o nome do pai. “Francisco morava no Rio de Janeiro e não sabemos por qual motivo ele estava em Petrópolis”, contou Marisa.

O pesquisador Lauro de Sá contou que a placa do túmulo é recente, no sentido que deve ter sido colocada há uns 20 anos, e que considera intrigante o fato de não constar o nome da mãe na certidão. Ele também acredita que há possibilidade de Maria Luísa ter sido moradora de Petrópolis e que o filho tenha nascido na cidade. “O pai do Francisco, o Visconde de Souto, era um dos melhores amigos de D. Pedro II e por isto era normal que a família visitasse a cidade com frequência, o que pode ter sido uma forma dele ter conhecido a Maria Luísa aqui. Naquela época, não era comum viajar com crianças pequenas porque a viagem do Rio de Janeiro até Petrópolis era muito longa”, acrescentou.



Lúcia Helena Souto Martini, sobrinha-neta de Francisco José Alves Souto Filho, o Anjinho de Petrópolis.
 
Durante a apuração da matéria, a equipe da Tribuna encontrou o bisneto de Francisco José Alves Souto, chamado Francisco Souto Neto, que reside em Curitiba. Ele está trabalhando em uma biografia que conta toda a história de seu trisavô, o Visconde de Souto. “Pesquisei mais de 600 títulos junto com minha prima Lúcia Helena Souto Martini, filha de Jacyra Souto. Em todos os registros, a informação é de que no primeiro casamento meu bisavô não teve filhos”, contou ele, que ficou sabendo sobre a história do Francisquinho através da equipe de reportagem da Tribuna.
“Meu bisavô é uma figura nebulosa na nossa história familiar”, revelou. Além disso, ele ressaltou que cinco gerações são um período considerável para que muitas informações a respeito da história dos familiares se percam. O livro escrito pelos primos, composto por 317 páginas, está aguardando patrocínio para ser publicado, mas antes disso, Francisco assegurou que, com essa informação sobre a criança, irá ter que rever o capítulo em que fala do seu bisavô. “Certamente teremos que alterar este item, atualizando os dados. Fico muito feliz que esse pequeno petropolitano não tenha caído no esquecimento e, de certa maneira, renasce na memória de todos encontrando a perpetuidade merecida através dos prodígios da fé”, enfatizou.
Sobre o falecimento do bisavô, ele disse não ter muita informação, mas acredita que ele tenha morrido com febre amarela. “Também não sei onde ele e Maria Luísa viviam e nem onde foram sepultados”, contou.



Francisco Souto Neto, sobrinho-neto de Francisco José Alves Souto Filho, o Anjinho de Petrópolis.


Francisco ressaltou que há falta de informações sobre o primogênito do seu bisavô e é justamente porque o casal morreu muito cedo. "Ao casar-se com Maria da Lapa e ter formado numerosa família,os laços com Francisquinho foram esquecidos pelas gerações que se seguiram". Em contato com a administração do Cemitério Municipal, informaram que os registros antigos não foram digitalizados e que não era possível conseguir a informação até o fechamento da edição.
 

No lugar da fotografia, o jornal publicou o esquema da ancestralidade de Francisco Souto Neto, ligando-o ao "Francisquinho" (o Anjinho de Petrópolis) e ao Visconde de Souto.
 

Também não foi possível identificar o local em que Francisquinho nasceu, já que o hospital mais antigo da cidade, o Hospital Santa Teresa, foi fundado em 1876, quatro anos, após o nascimento da criança. Desta forma, se o nascimento dele aconteceu em Petrópolis, presume-se que possa ter sido através de uma parteira ou em uma casa de saúde que existia na época, da qual não se possui mais informações.

Bispo vai pesquisar a história do menino

De acordo com o bispo dom Gregório Paixão, o caso deve ser estudado com profundidade e prudência, para que não caia no misticismo. “Tive um pequeno conhecimento sobre o assunto no Dia de Finados, mas preciso conhecer a história a fundo”, ressaltou. Sobre a possibilidade de que Francisquinho possa ser canonizado, ele destacou que é um grande processo até chegar a esse ponto. “Se for verdade que a cada milagre concedido, um brinquedo é depositado no túmulo dele e, se tem mais de 100 brinquedos, realmente é um caso impressionante e vamos avaliá-lo. Tem que ser feito um estudo para saber sobre os milagres que ele fez. Sendo coisas excepcionais vale a pena aprofundar os estudos. Vou pedir uma investigação sobre o assunto a paróquia do Sagrado Coração de Jesus, que fica próxima ao cemitério”, garantiu.

Dom Gregório explicou que os santos milagreiros são intercessores de Jesus Cristo, sendo assim, eles auxiliam os pedidos; “O que acontece, na verdade, é que as pessoas pedem o milagre a Jesus, por intercessão da criança”.

Família Souto
 
 

Requerimento dirigido em 19.2.1868 ao Vigário Capitular do Rio de Janeiro, por Francisco José Alves Souto, pedindo permissao para realizar seu casamento com Maria Luíza de França e Silva na capela particular de seus pais, o Visconde e a Viscondessa de Souto. (Documento original pertencente ao acervo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro).
 
 

Francisco José Alves Souto, pai de Francisquinho, nasceu em 20 de março de 1846, no Rio de Janeiro e morreu em 1890, aos 44 anos. Não se sabe exatamente o dia e o mês de sua morte, nem as causas. Ele foi o sexto filho de Antônio José Alves Souto, o Visconde Souto, que nasceu em Portugal, em 28 de março de 1813 e morreu em 14 de fevereiro de 1880. O Visconde foi fundador da Casa Souto, uma das mais importantes instituições financeiras do país, no século XIX que teve sua fase de prosperidade durante o bom período da produção cafeeira.

Antônio trabalhou na Corte como corretor de títulos e de outros valores. Segundo os registros, ele tinha título de nobreza e gozava de muito prestígio junto à colônia portuguesa fluminense.

Em 1857, com a crise do café, a casa entrou em crise, com quedas acentuadas nas exportações e nas cotações dos preços do café no mercado mundial.

Mesmo após ter conseguido inúmeros empréstimos com o Banco do Brasil, a Casa Souto acumulou uma dívida de 22 mil contos de réis, o que correspondia à metade do capital do Banco do Brasil, o que tornou impossível conseguir o dinheiro para pagar as dívidas.

A falência da Casa Souto foi responsável, em 1865, por uma queda comercial, baixa do câmbio e dos valores dos imóveis, decesso das ações de companhias e elevação do preço da moeda de ouro.

Santos de cemitério

Em Petrópolis, Francisquinho é o primeiro cultuado pela população e dito como santo de cemitério, mas pelo país afora é possível encontrar outras pessoas que morreram e fazem milagres. Segundo Lauro, esta é uma forma simples e popular de santificar determinadas pessoas a partir do culto e da reverência de sua sepultura. De acordo com ele, existem casos em que um santo de cemitério acaba sendo reconhecido no Vaticano. Um exemplo é o menino paulista Antônio da Rocha Carmo, que nasceu em 1918 e faleceu aos 12 anos de idade. Ele passou a ser reconhecido como Santo Antoninho, o Santo do Povo, e seu processo de beatificação foi aberto em 2007. O pesquisador citou outros casos, como o da Maria Degolada, uma jovem que foi assassinada pelo namorado em novembro de 1889, e o da Odetinha, que morreu vítima de uma doença infecciosa de origem bacteriana. O processo de beatificação e canonização de Odetinha foi aberto em janeiro pela Arquidiocese do Rio.

Aline Rickly

Redação Tribuna

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