terça-feira, 6 de setembro de 2011

Francisco Souto Neto: EM PARIS, GRITOS DE SOCORRO E UMA BOMBA QUE EXPLODE

Jornal do Centro Cívico Ano 3 – Novembro 2004 – Nº 21
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 11:


Capa:


EM PARIS, GRITOS DE SOCORRO E UMA BOMBA QUE EXPLODE –
Francisco Souto Neto


Nas viagens à Europa, nem sempre tudo são flores. Ocorrem às vezes acontecimentos inteiramente imprevisíveis e até sustos. Eu e meu companheiro de diversas viagens, Rubens Faria Gonçalves, jamais nos valemos dos “pacotes turísticos” e somos nós que projetamos os nossos próprios passeios pelo continente europeu. Foi assim que na mais recente viagem que fizemos à França, passamos uns dias no Mont-Saint-Michel, depois em Honfleur e Rouen. Nosso destino seguinte seria a cidade de Strasbourg. Gostaríamos de fazer uma viagem diretamente de trem de Rouen a Strasbourg, sem passar por Paris, por dois motivos: primeiro, porque a capital da França estava nos nossos planos para o final daquelas férias, quando lá permaneceríamos por quase duas semanas; segundo, porque os trens provenientes de Rouen terminavam a viagem na Gare San Lazare, a oeste de Paris, enquanto que os comboios para Strasbourg partem da Gare de l’Est, estação situada, como o próprio nome o diz, no lado leste da cidade. É que não queríamos usar táxi e também desejávamos poder evitar o percurso de metrô entre as duas estações parisienses, por causa das nossas bagagens.
Mas tivemos, forçosamente, que passar por Paris. Lá, descobrimos que a nova linha “E” do RER (um metrô expresso que leva às cidades da área metropolitana) nos conduziria da Gare de San Lazare diretamente à estação de metrô Magenta, donde alcançaríamos a Gare de l’Este percorrendo à pé cerca de apenas cem metros da Rua d’Alsace.

Gritos de socorro

Arrastando as malas sobre rodas, íamos já pela metade da Rua d’Alsace, quando ouvimos os gritos roucos e apavorados duma mulher: “Au secours! Au secours!” (“Socorro!”). As pessoas da rua olhavam para cima, e localizamos, na janela do 2º andar dum moderno e bom hotel, uma mulher negra com metade do corpo para fora, mas olhando para o interior do quarto e esticando os braços como que para se defender de algo ou alguém. Pareceu que ia ser atirada para fora. Nos andares de cima, pessoas afluíram às sacadas. Um homem atravessou a rua correndo e entrou pela porta do hotel. A mulher desapareceu no quarto, mas ouvimos sua voz rouca a gritar: “Mon Dieu! Mon Dieu!” (“Meu Deus!).
Nunca saberemos o que aconteceu, porque continuamos rumando à Gare de l’Est. Lá chegando, enquanto Rubens Gonçalves ficou no saguão cuidando das nossas malas, fui à sala de informações para me inteirar dos trens para Strasbourg.
Súbito, a polícia invadiu referida sala, determinando que todos deveriam deixar o local imediatamente. De longe, arrastando nossas bagagens, meu amigo me dizia que a polícia mandava todos saírem do saguão. Realmente, aquele enorme espaço estava sendo isolado com cordas vermelhas. Que situação estranha, pensei! Mas de qualquer modo queríamos viajar para Strasbourg e não entendíamos o que estava acontecendo.

Uma das gárgulas (les chimères) da Catedral de Notre-Dame de Paris.

A bomba

Uma policial passou por mim e perguntei-lhe, em francês, quanto tempo demorariam para liberar o local. “Não depende de nós”, foi sua resposta. “Mas o que está acontecendo?”, insisti. E ela, sincera: “Trata-se de uma mala abandonada”. E eu, com uma careta de incredulidade: “Talvez uma bomba?”. Ela apenas sorriu, certamente por causa da minha careta, e afastou-se. Então acercou-se de mim uma senhora simpática, perguntando-me no seu idioma: “Fala inglês?”. “Sim, um pouco”, respondi. E ela: “Vi que o senhor conversou com a policial. Ela disse o que está acontecendo?”. Relatei-lhe o fato, e ela, assustada: “Jesus Cristo! Mas isto é comum acontecer aqui?”. E eu, agora rindo: “Não sei, acho que não”. A bem da verdade, toda aquela agitação me pareceu muito excessiva, e comentei com meu amigo que certamente tinham avistado uma simples mala esquecida e estavam fazendo tempestade em copo d’água.
Sem outra alternativa, mudamo-nos para o extremo oposto da estação, bem longe do local interditado, onde encontramos outro balcão de informações. E no guichê, comecei logo a perguntar sobre os horários de trens diretos para Strasbourg, quando uma imensa explosão sacudiu toda a Gare: BUMMMM! Levei um susto, gritando em português: “Explodiu! Então era verdade!”. O rapaz das informações, em vez de assustar-se, caiu na risada. Estava rindo, é claro, da minha careta de susto.
Logo após a explosão, que apesar de muito alta teve o som meio abafado, embarcamos para Strasbourg. A bordo do trem, anotei todo o incidente no meu diário de viagem, encerrando com estas palavras: “Que Paris! Eu, hem? Eta! Cidadezinha agitada”.
Depois de muitos dias, quando voltamos à capital francesa para lá passarmos quase duas semanas, encontramo-la calma e maravilhosa, sem mais gritos de socorro, nem novas explosões. Paris era, então, a mesma e extraordinária Cidade-Luz de sempre...

-o-

Nenhum comentário:

Postar um comentário