quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Francisco Souto Neto: A SANTORINI DA NOVELA "BELÍSSIMA" E A VERDADEIRA SANTORINI


Jornal do Centro Cívico – Ano 3 – Dezembro 2005 – Nº 30
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 9:

Capa:



Jornal Água Verde – Ano 14 – Dezembro 2005 – Nº 293
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 10:

Capa:



A SANTORINI DA NOVELA “BELÍSSIMA” E A VERDADEIRA SANTORI
Francisco Souto Neto


A novela “Belíssima” da Rede Globo está apresentando lindas cenas em locação de Thíra (ou Fhirá), também conhecida como Vila Caiada, capital da ilha grega de Santorini, que conta com apenas 1550 habitantes. Comecei a assistir aos primeiros capítulos do referido folhetim, justamente pela curiosidade de ver sob que ângulos o lugar seria mostrado e, aos poucos – o que era previsível – fui me escravizando ao talento da interpretação de todo o elenco, sobretudo da maravilhosa Fernanda Montenegro, impressionante e inigualável no papel de uma elegante e abominável megera.
Mas apesar dessas lindas cenas da ilha grega, nada foi passado ao telespectador sobre a importância geológica e histórica de Santorini. Sem dúvida, o que mais interessa à novela é a trama ao redor das personagens ligadas aos atores Tony Ramos e Cláudia Abreu, mas é uma pena que os autores não tenham posto na boca de qualquer um deles, alguma referência ao vulcão... pois as vilas brancas de Santorini foram construídas na borda da cratera de um vulcão ativo.

A lenda de Atlântida e o vulcão

A lenda de Atlântida nasceu da explosão do vulcão de Santorini no ano de 1450 a.C. Como consequência, ocorreram terremotos e tsunamis que devastaram a florescente civilização minóica, cuja capital era Knossos (Cnossos), na ilha de Creta. Ilhas submergiram e outras nasceram no tremendo cataclismo, e milhares de pessoas morreram, mudando completamente o curso da História. Daí, a lenda de Atlântida.
Três milênios e meio após aquela espécie de “fim do mundo”, Santorini mantém-se como um vulcão ativo, cuja cratera, agora tomada pelo mar, tem o diâmetro de cerca de 30 quilômetros. A cratera gigantesca é, obviamente, circular, mas com dois pontos rompidos pela erosão, o que possibilitou a entrada das águas do Mar Egeu. Bem ao centro está o cone vulcânico ativo, com duas bocas principais. Esse cone vem crescendo nas últimas décadas, o que dá a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, o vulcão novamente explodirá.

Mapa de Santorini. A ilha central, denominada
Néa Kaméni, é a caldeira do vulcão.

Tremores de terra são frequentes em Santorini. O último grande terremoto, que devastou a vila, ocorreu em 1956, provocando muitas mortes. Thíra foi reconstruída em terraços nos penhascos que são a parte interna da cratera, que descem íngremes até ao pequeno porto, 270 metros abaixo.
O turista que chega em navio, pode subir a Thíra por um rápido funicular, ou em lombo de mulas através de uma larga escada com 580 amplos degraus que dão ao caminho um aspecto mais de estrada do que de escada propriamente dita. Eu subi em funicular e desci a pé, cuidando para não pisar no estrume de burros e mulas.

Santorini hoje

Os edifícios caiados de Thíra formam uma das paisagens mais deslumbrantes do mundo. Navios de cruzeiro ancoram bem no meio da cratera, entre o cone vulcânico e os penhascos que levam à vila, despejando milhares de turistas que passam o dia encantando-se com a topografia do lugar. Muitos deles nem sabem que estão na cratera de um vulcão ativo. A bem da verdade, os próprios moradores parecem não se importar muito de viver num lugar tão potencialmente perigoso.
Há magníficas igrejas em Santorini, um rico museu arqueológico e as preciosas ruínas de Thíra Antiga ou Akrotíri. Mas é o conjunto arquitetônico, todo pintado de branco, que dá à ilha um aspecto onírico de estonteante beleza.
Um fato curioso é o de que as portas de entrada em quase todas as casas (residências, hotéis, restaurantes) aparecem isoladas nos muros. Passando pela porta, dá-se no teto da construção... e dali uma escada descendente leva ao interior do imóvel. Isso porque tais construções estão na encosta quase vertical da cratera.

Francisco Souto Neto numa varanda de Santorini. Ao fundo, vêem-se
as casas construídas nas encostas internas da cratera do vulcão.

Francisco Souto Neto na porta de uma casa de
Santorini. A casa não aparece, porque a entrada é pelo
teto da residência, construída na encosta da cratera do vulcão.

Ao centro da foto, a aparente "ilha" é a caldeira do vulcão
que está aflorando, e já conta com duas bocas ativas.

Esses detalhes de vital importância para que se entenda Santorini, foram omitidos pela novela “Belíssima”. Todos aqueles que assistem ao folhetim, e que nada sabiam sobre as Ilhas Cíclades, vão pensar que elas são apenas “umas belas ilhas”, nada mais. Afinal – quem sabe? – é só isso mesmo o que importa aos autores da novela, interessados em criar uma história que, como sempre, envolva um crime a ser desvendado no último capítulo, para tornar a trama mais “interessante”, já que, para eles, ao brasileiro parece pouco interessar detalhes culturais. Ou, não é de duvidar, quem sabe se esses autores pouco ou nada conhecem da história geológica de Santorini. De qualquer modo, que bela oportunidade perdeu o espectador da Globo de aprender uma fascinante lição de História e cultura. Que pena!

-o-

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