domingo, 25 de setembro de 2011

Francisco Souto Neto: CÃES E "PARCÃO": CURITIBA NA CONTRAMÃO?


Jornal do Centro Cívico – Ano 3 – Outubro 2005 – Nº 29
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

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Capa:




CÃES E “PARCÃO”: CURITIBA NA CONTRAMÃO?
Francisco Souto Neto


Quanto maior o índice de civilidade entre os cidadãos de uma comunidade ou dum país, tanto mais elevado o respeito pelos animais. Aprendi isto ao observar o trato que os melhores países da Europa costumam dar a seus cães. Lá, animais domésticos podem acompanhar seus donos no transporte público (metrô, ônibus e bonde), em hotéis, e muitas vezes até em restaurantes. Nas praças, é muito comum que pequenos espaços sejam reservados às necessidades fisiológicas dos bichos. E não é só: nos países mais evoluídos, cães de pequeno e médio porte têm sido treinados para levar conforto a pessoas internadas em hospitais que, em contato com a doçura dos animais, apresentam uma convalescença mais rápida. Em visita aos asilos, também influem favoravelmente no estado de espírito dos idosos. E não é só isso: até mesmo adolescentes problemáticos mudam o comportamento para melhor quando um animal de estimação ingressa do seu cotidiano.
Em nações como Suíça e Áustria, bem como na Escandinávia, os proprietários costumam coletar os dejetos dos seus bichos, atirando-os ao lixo mais próximo. Entretanto o que mais salta aos olhos é o respeito que as pessoas devotam aos animais. Passei a observar que também no Brasil muitos proprietários tratam seus bichos com idêntica devoção. A bem da verdade, pessoas que gostam de animais costumam ser, sob vários aspectos (como de boa educação, cultura e humanismo), melhores do que as outras que não gostam. Aqueles que batem num cão podem ser os mesmos que espancam o próprio filho; mas aqueles que tratam os animais com respeito, costumam ser melhores pais. Não sou eu quem o afirma, mas pesquisas sérias que têm apontado nessa direção.

São Paulo contra a vivissecção de cães

Recentemente, em 3 de julho de 2005, cerca de 600 manifestantes desfilaram na Avenida Paulista, em São Paulo, com cartazes e fotos de cães dilacerados. Segundo a Folha de São Paulo de 4 de julho, “Crianças e adolescentes de jalecos manchados de vermelho-sangue, casais mascarados e idosos marchavam com faixas e placas em protesto contra a vivissecção no ensino” – isto é, contra a abertura dos animais vivos, principalmente cães, usados para fins didáticos. Há comprovação de que, muitas vezes, cães são “operados” e sacrificados sem anestesia, causando-lhes dor e tortura. Os manifestantes da Avenida Paulista propunham que sejam usados animais mortos, quimicamente preservados, no lugar dos bichos vivos. Pois não é o que fazem, com sucesso, os estudantes de Medicina, que nas suas dissecações usam cadáveres preservados em formol, e não pessoas vivas?
No dia 6 do mesmo mês, em Pamplona, na Espanha, houve uma manifestação gigante com pessoas de várias nacionalidades, contra a corrida de touros (e consequente sacrifício dos animais), tradicional naquela cidade, que começaria no dia seguinte.
Portanto, o que se vê em todo o mundo é isto: pessoas com alto grau de civilidade, senso de ecologia e respeito às outras espécies, reunindo-se para protestar contra maus-tratos a animais.
Em Curitiba, com tristeza, vimos ocorrer o fenômeno às avessas.

Curitiba na contramão do humanismo

Enquanto, como acabamos de ver, pessoas civilizadas de todo o mundo levantam-se em defesa dos animais, presenciamos em Curitiba um melancólico episódio que critica aqueles que cuidam bem dos seus cães (sic), tal como vimos publicado na edição anterior deste jornal.
Para quem não leu, recapitulo: um grupo de estudantes e profissionais liberais organizou manifestação no gramado da fachada posterior do MON (Museu Oscar Niemeyer), um local conhecido como “parcão”, porque é o parque onde, há alguns anos, as pessoas levam os seus cães a passear, principalmente nos fins de semana. Portando faixas que diziam: “Você já alimentou seu cão hoje? Milhões de crianças morrem de fome”, distribuíram folhetos, aparentemente (pois não os vi, nem li) protestando contra a aparência bem cuidada dos animais que, por certo, contrastem com as crianças famintas deste país.
A meu ver, cães bem tratados e alimentados sugerem donos civilizados, muitos dos quais, como eu mesmo faço em relação ao meu chihuahua que se chama – e vai aí o nome completo – Paco Ramirez de San Martin, coletam as fezes que seus animais fazem sobre a calçada ou na própria grama, para atirá-la ao lixo mais próximo.

Causas mais nobres

Em vez de perder tempo em manifestações fúteis, por que essas pessoas não se dedicam a causas mais nobres, como por exemplo, a um massivo protesto contra a crescente violência urbana, ou contra a corrupção, ou a favor da conscientização dos motoristas que ignoram os sinais vermelhos dos semáforos e não observam as placas de contramão? Por que não promovem uma grande campanha para ajudar a fortalecer o débil “Fome Zero”? Por que não gastam seu tempo ocioso auxiliando ONGs de assistência à infância faminta, em vez de reclamar contra aquilo que está bem feito, isto é, contra os cães bem tratados? É bom lembrar que aquele que gasta com seus cães não é o mesmo que tira a comida da boca duma criança, nem é aquele que produz a fome, esta sim, consequência do absurdo desnível salarial entre as classes sociais. Já pensaram numa das formas mais repugnantes da imoralidade e que merece protestos, que é a das famílias que põem seus idosos em asilos e os esquecem? Se quiserem outra boa causa, é bom lembrar de que no dia 23 de outubro próximo será dado o primeiro passo rumo ao desarmamento em nosso país, através do referendo – o primeiro deste gênero a realizar-se em todo o mundo – que perguntará aos eleitores brasileiros: “Você concorda com a proibição da comercialização de armas e munição em todo território nacional?”. Se, às vésperas do referendo, saírem em passeata para sensibilizar a sociedade curitibana nesta conscientização, aderirei ao movimento com todo prazer, para ajudá-los a carregar faixas que digam “SIM”!
No "Parcão" (Museu Oscar Niemeyer), em Curitiba, Ivone Souto da Rosa com o
chihuahua Paco Ramirez. Ao fundo, Rubens Gonçalves observa o Tibério Bouledogue.

Se Curitiba quer se autoproclamar “de primeiro mundo”, a estrada a percorrer é ainda de terra e muito esburacada. Por que não se começar pelo respeito aos cães e seus proprietários? A Prefeitura bem poderia dar o primeiro passo, instalando um bebedouro para cães no “Parcão”, mais cestas de lixo em todo o Centro Cívico e, bem ao fundo das árvores, uma área reservada para os dejetos dos animais. Se isto existe e funciona muito bem nos bons países, por quê não se tentar neste nosso pobre e miserável “terceiro mundo”?
Encerro com uma frase de Leonardo da Vinci, estampada numa camiseta que ganhei da revista “Animais & Cia.”, que uso com orgulho e sintetiza o seu significado: “Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria Humanidade”.
-o-


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