sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Francisco Souto Neto: METEORA ENTRE O CÉU E A TERRA

Jornal Água Verde Ano 13 – Setembro 2004 – Nº 278
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 21:


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Folha do Batel Ano 5 – Setembro 2004 – Nº 52
Diretora-Executiva: Celina Suzy

Página 10:


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 METEORA ENTRE O CÉU E A TERRA
Francisco Souto Neto


Meteora (também chamada Meteoros, do grego Metéora), no interior da Grécia, é o nome de um conjunto de monastérios bizantinos que remontam aos séculos XIV e XV, erigidos no cume de montanhas muito altas, quase inacessíveis, aos quais os religiosos e eventuais visitantes tinham que ser içados por cordas, dentro de cestos.
Meteora significa “suspenso no ar” ou “entre o céu e a terra”, e está situada na Tessália, que era a pátria dos mitológicos centauros (metade cavalos, metade homens), e a pouca distância do Monte Olimpo, local onde viviam os deuses gregos sob a chefia absoluta de Zeus. O caminho entre o porto de Volos e a pequena cidade de Kalambaka (5700 habitantes), aos pés de Meteora, é muito pitoresco e passa por Lárissa, capital da Tessália. As estradas são excelentes, mas as suas margens estão coalhadas de pequenas capelas que marcam os lugares onde, através dos séculos, morreram viajantes.


Kalambaka, tendo ao fundo as montanhas (ou rochas)
onde se instalaram os mosteiros bizantinos.

Os mosteiros de Meteora eram, na Idade Média, vinte e quatro. Hoje subsistem apenas quatro e construíram-se estradas até ao sopé das montanhas onde estes se localizam, distantes não mais do que uns três quilômetros do centro de Kalambaka. No caminho é possível observar a existência de cavernas encravadas nos paredões verticais das referidas montanhas, a dezenas de metros do solo, que serviam de habitação aos anacoretas ou eremitas, que ali se isolavam do mundo.

Numa parada do ônibus, Souto Neto e as rochas onde
se instalaram os monastérios. Atrás, Kalambaka.

Rubens Gonçalves e algumas das rochas onde estão
as cavernas dos eremitas ou anacoretas.

Ninguém mais é içado por cordas aos mosteiros, pois agora há caminhos margeando as encostas das tais montanhas, e pontes para pedestres entre os cumes, através das quais os turistas podem alcançar alguns dos monastérios.

Os monastérios

Visitei dois monastérios: o de Santo Estêvão e o da Transfiguração, este último mais conhecido como O Grande Meteoro.

Rubens Gonçalves no monastério de Santo Estêvão,
tendo Kalambaka ao fundo.

Monges e monjas vivem naqueles lugares hoje transformados em museus, e subsistem dos altos preços cobrados pelos ingressos e pelas obras de artesanato que vendem. Uma senhora, guia do meu grupo de visita, fez uma explanação sobre a religião ortodoxa grega, e a respeito das pinturas bizantinas, que enriqueceu muito a tudo aquilo que eu já conhecia sobre o assunto. Um fato pitoresco, digno de nota, foi que, enquanto a guia falava, meu grupo de turistas percebeu a aproximação de um monge muito idoso, quase cego, que batia com toda a força a sua bengala no chão, a cada passo miúdo que dava. Chegando à periferia do grupo, esticou o pescoço e avançou o ouvido esquerdo o máximo que pôde na direção àquela que falava. Ela sorriu, como que já acostumada à atitude do velho e simpático monge, justificando: “Ele não ouve bem, mas ainda assim quer saber se eu estou falando a coisa certa”.

O Grande Meteoro

O Monastério da Transfiguração, ou O Grande Meteoro, fundado por Santo Anastácio em 1356, é de acesso muito mais difícil que o anterior. Após centenas de degraus por fora e por dentro da montanha, é quase sem fôlego que até os mais jovens turistas chegam à plataforma rochosa, a 534 metros de altura.
Durante a visita, ouvem-se histórias as mais diversas, como por exemplo, a da severa guardiã do monastério, que foi na infância uma mendiga acolhida pelas monjas.


O Grande Meteoro. Primeiro é preciso descer por uma encosta
(que não aparece na foto), e atravessar a ponte que leva à escada
que entra na rocha (abaixo). É possível ver, à esquerda, abaixo,
pessoas subindo a escadaria, com centenas de degraus, que leva
ao monastério.

Francisco Souto Neto subindo as escadas que levam ao
monastério O Grande Meteoro. No topo da montanha
(ou rocha) atrás, vê-se outro monastério.


Rubens Faria Gonçalves subindo as
escadarias que levam a O Grande Meteoro,
ou Monastério da Transfiguração.

A ira da guardiã e alguns desaforos

Eu observei que os turistas do meu grupo levantavam uma cortina de veludo preto em forma de janela, localizada no fundo do altar, e olhavam demoradamente para dentro. Curioso, fiz o mesmo, pensando que encontraria ali um belo ícone religioso, mas vi que se tratava nada mais do que um espaço quase vazio, empoeirado e feio, com um velho, puído e descorado sofá encostado num canto. Retornei ao meu grupo de turistas e notei que várias outras pessoas formaram fila para abrir a janelinha preta e olhar para dentro. Foi quando surgiu a monja guardiã que, furiosa, enxotou a fila que se formava para levantar a cortina preta e olhar o quartinho poeirento. É claro que ninguém sabia que estava fazendo algo errado, mas a zangada monja bradava em inglês: “É proibido olhar para o fundo do altar!”.
Ao final da visita, já nos jardins do monastério, enquanto admirávamos o panorama, ouvimos um sino que significava que aquele grupo de turistas deveria retirar-se para que outro entrasse. E um monge foi enxotando grosseiramente os retardatários, uns casais idosos. Eu me retirei rapidamente, mas vi que quando saiu o último casal, o monge gritou-lhes algo que ninguém entendeu, e bateu a porta com toda força às costas dos velhinhos.
Pensei assim: estamos num dos lugares mais misteriosos e magníficos do mundo, mas a magia de tudo isso quase se desfaz quando se vê, após pagar muito bem pelos ingressos e pelas compras, que somos todos empurrados rudemente, meio à força, a fim de que um novo grupo de turistas endinheirados entre para enriquecer os monges, e o ciclo da expulsão se repita.

-o-

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