sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Francisco Souto Neto: CAIRO, CIDADE BARULHENTA E OUTROS SENÕES...


Jornal Centro Cívico – Ano 4 – Maio 2006 – Nº 32.
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 10:


Capa:



Jornal Água Verde – Ano 14 – Maio 2006 – Nº 297
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 8:

Capa:




CAIRO, CIDADE BARULHENTA E OUTROS SENÕES...
Francisco Souto Neto


            Quem ainda não esteve no Cairo, não pode imaginar como é barulhenta a capital do Egito, país localizado ao Nordeste da África. Uma das maiores do mundo, quase do tamanho de São Paulo, é incrível que a cidade não conte com semáforos. É isso mesmo: não há semáforos no Cairo. O trânsito é uma confusão total, os pedestres atravessam as ruas correndo por qualquer lugar, e os carros, quase aos pinotes, fazem ziguezagues para não atropelá-los. Impera a buzina!

O Hotel El-Gezirah Sheraton Towers.
Em primeiro plano, detalhes de uma
feluca no Rio Nilo.

            Fiquei hospedado no 26º andar do El-Gezirah Sheraton Towers, construído na ponta de uma ilha do Rio Nilo, no centro da capital, de cuja sacada podia-se observar, no distante horizonte, a silhueta das três grandes pirâmides de Guizé. Das margens do rio, elevava-se o barulho muito alto de milhares de buzinas soando estridentes ao mesmo tempo, numa estranha e interminável sinfonia.

Andando pelo Cairo

            Em face do que acabo de expor, imagine-se o que será para o pedestre ocidental, andar pelas ruas da tumultuada capital do Egito! Eu viajava na companhia de Rubens Faria Gonçalves e, aventureiros como sempre, antes mesmo dos passeios obrigatórios às maravilhosas pirâmides, ao fascinante Museu do Cairo e às riquíssimas mesquitas, deixamos o hotel para irmos sentir a cidade a pé. Contudo, após atravessarmos a ponte da ilha em direção a uma das margens Nilo, detivemo-nos porque não conseguíamos passar para o outro lado da larga avenida. Os egípcios, incluindo senhoras, crianças e idosos, atravessavam-na correndo, desviando-se dos veículos que não diminuíam a velocidade e que ainda buzinavam sobre eles. Depois de algum tempo ali parados e observando aquela incrível confusão, ouvimos sobre os nossos ombros uma frase em inglês: Where are you from? (De onde vocês são?). Respondemos em inglês: “Somos do Brasil”. O egípcio, sem qualquer cerimônia, puxou-nos pelos braços, exclamando sempre em inglês: “Aqui tem que ser assim...”, e lá fomos os três, correndo como doidos, entre os veículos desvairados, parando, desviando, pulando para trás e correndo novamente, até chegarmos ao outro lado. Agradecemos ao senhor egípcio pela ajuda, e pretendíamos continuar nosso caminho, mas o homem mostrou-se curioso a nosso respeito.
            Embora tenhamos que ser sempre muito desconfiados quando em países estranhos, ouvimos aquele senhor dizer-nos que ele era um artista plástico e fazia questão de que víssemos sua exposição localizada a apenas cinquenta metros dali. Como aquela era uma das mais movimentadas avenidas do Cairo, com lojas e burburinho de pedestres semelhante ao do Ocidente, e também porque o egípcio era um senhor muito bem educado, achamos que seria interessante vermos esse aspecto cultural da cidade que queríamos conhecer. Não imaginávamos que, ao segui-lo, viveríamos uma experiência estranha e surrealista.

Questão cultural

Entramos, e não se tratava de uma galeria de arte, mas de uma simples residência. Aquele senhor rapidamente mostrou-nos um monte de pinturas no estilo egípcio antigo, sobre papiro. Aquilo era um trabalho realmente bonito, porém extremamente comercial, sem grande valor artístico, que poderia ser encontrado em qualquer lugar do mundo, até mesmo no comércio de Curitiba. E o homem não queria apenas exibir os trabalhos, mas vendê-los. Ele era mais um comerciante do que artista, caso artista fosse. Enquanto repetíamos “não, obrigado”, o seu irmão já nos oferecia chá. E não nos permitia sairmos. Ninguém pode imaginar como foi longo o tal episódio. Nós insistíamos: “Estamos apenas passeando e sem dinheiro para fazer compras”. O egípcio que não se conformava, tirou os óculos de sol das mãos do meu amigo, fazendo-lhe uma proposta: “Bonitos óculos. Quer trocá-los pela pintura”?
A esta altura, Rubens Gonçalves tomou de volta o seu pertence e me aconselhou: “Vamos sair imediatamente!”. Levantamo-nos, dissemos decididamente aos irmãos egípcios: Thank you and goodbye, atravessamos a porta, o jardim, e rapidamente ganhamos a rua. A dupla corria atrás de nós com os papiros, falando-nos em inglês que nos ofereciam um bom desconto... Mas não lhes demos atenção, afastando-nos muito depressa, quase correndo e sem olhar para trás.

Where are you from?

Na verdade, aqueles egípcios eram boas pessoas. O que ocorre é a eterna questão cutural: no Egito, e em outros países de raízes semelhantes, aquilo que para nós chega a ser uma invasão de privacidade, para eles é normal e habitual. É assim mesmo que eles vendem seus produtos: forçando, empurrando, até propondo troca por objetos pessoais dos turistas. Nós, entretanto, não queríamos perder tempo com aquilo que não nos interessava, para assim podermos bem aproveitar a estada naquele berço de civilizações, país extraordinário. Mas a partir daquele dia, fizemos um trato: ignorar a todos os Where are you from? que ouvíssemos no Egito, mesmo que assim parecêssemos mal educados.
E foram dezenas de Where are you from? que escutamos durante a estada no Egito. Jovens, velhos, todo tipo de pessoas a repetir a pergunta. Fingíamos não entender, e eles continuavam insistindo: Français? Italiano? Português? Español? Arre, que pessoas espertas... e poliglotas. Aquela gente é que sabe negociar. Ou talvez sejamos nós os ignorantes por não aceitarmos aquele tipo de “arte”, que é o da venda forçada e da persuasão.

Francisco Souto Neto na cidade do Cairo.

Francisco Souto Neto e Rubens Faria Gonçalves
visitam a Mesquita de Alabastro, na cidade do Cairo.

-o-

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