Jornal do Centro Cívico – Ano 4 – Setembro 2006 – Nº 35
Diretor-presidente: José Gil de Almeida
Página 4:
Capa:
VIAGENS AÉREAS, AS MELHORES E AS PIORES
Francisco Souto Neto
Quem já viajou bastante em avião pode ter histórias pitorescas a contar. Eu, por exemplo, não tive dificuldades em me lembrar de alguns estranhos episódios que vivi acima das nuvens...
Um péssimo vôo na infância
No fim dos anos 40 ou começo dos 50, época de minha infância, fiz uma viagem com minha família a bordo de um Douglas DC-3 da Real Aerovias, de Ponta Grossa a Campo Grande, com muitas escalas pelos Estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso. Os aviões a jato comerciais ainda não existiam. Eram as hélices que impulsionavam os antigos aparelhos. Os DC-3 comportavam poucos passageiros, talvez até menos do que os ônibus de hoje.
Um DC-3 da Real Aerovias, em 1955. Desembarque de
Edith Barbosa Souto (segurando grande pacote ao sair
pela porta do avião) no aeroporto de Ponta Grossa, PR,
no vôo Campo Grande-Ponta Grossa.
Em 1955, Edith Barbosa Souto sendo recebida pelo marido, o
jornalista Arary Souto. Atrás do DC-3 da Real Aerovias, vê-se o telhado
triangular (com duas janelas no 1º andar) do aeroporto de Ponta Grossa, PR.
No final da viagem, já à noite, entramos numa tempestade. O avião jogava como imagino que fosse uma carroça a toda velocidade numa estrada esburacada. Meus pais, meus irmãos e eu, assim como todos os passageiros, enjoamos ao extremo. Todos vomitávamos nos saquinhos próprios, e na minha memória ficou como se houvesse um grito contínuo no ar, porque sempre havia o ruído gutural de alguém, ou várias pessoas “destripando o mico” ao mesmo tempo. Nos violentos solavancos e súbitas quedas que o avião sofria em pleno ar com grandes estrondos, bolsas e objetos despencavam dos bagageiros. Ouvi de repente um grito mais alto seguido de som de metal se quebrando! Olhei para o lado e vi a poltrona do robusto passageiro que viajava na última fila (atrás da qual havia a porta de entrada ao avião) quebrando-se, com o homem esparramando-se no chão com as duas pernas para cima e entornando sobre seu paletó o conteúdo do saquinho destinado às indisposições...
O DC-3 chegou intacto (exceto uma poltrona) ao destino, e a prova disso é eu estar aqui, hoje, escrevendo estas linhas... Que tempos heróicos eram aqueles das asas e das hélices da Panair do Brasil e da Real Aerovias!
Alguns desagradáveis vôos dos tempos atuais
No ano de 1991 fiz uma viagem com destino a Roma, a bordo de um “Jumbo” da empresa aérea italiana Alitalia. Para começar mal, viajei na apertada fila central de poltronas da classe turística, que tem seis assentos justapostos sem espaço entre eles. O vôo foi cansativo, os passageiros mal-educados “colaborando” com a falta de higiene dos banheiros, nos quais entrava-se pisando em papéis higiênicos esparramados pelo chão... e por toda parte. A refeição, fraca, teve como sobremesa três uvas. Uma senhora italiana, que viajava ao meu lado, fez um gesto de desalento, dizendo-me no seu idioma: “Mas por quê só três uvas, se temos tantas delas na Itália?”. Logo depois vi essa mesma senhora furtando os talheres que tinham sido usados por ela e o marido. Havia muita turbulência e os bagageiros balançavam ameaçadoramente sobre nossas cabeças. Porém, o mais desagradável estava por vir: no meio da noite, vi um homem da tripulação vindo de quatro, pelo corredor, com uma chave de fenda na mão, apertando ou ajustando algo nas poltronas, quase ao rés do chão. Acho que apertava parafusos. Jamais entendi o que foi aquilo!
Mas o pior dos vôos foi a bordo da Varig, também com destino à Europa: o avião simplesmente não decolava do aeroporto do Rio. Ficou um enorme tempo parado e fazia muito calor. Para distrair os passageiros, começaram a servir as refeições. Pela porta, entravam e saíam homens vestidos de amarelo. Eram mecânicos. “Mecânicos? – pensava eu – Mecânicos que entram e saem da cabine do piloto?” Sim, o avião estava em pane total e os técnicos tentavam fazê-lo voar. Ao final, efetivamente voou.
Na volta daquela mesma viagem, também pela Varig, no aeroporto Charles de Gaulle em Paris, repetiu-se o mesmo drama: o avião não decolava e mecânicos começaram a entrar e sair do aparelho. Um passageiro reclamou ao comissário de bordo, de que com tal atraso perderia uma conexão no Brasil. E o “aeromoço”, grosseiramente, respondeu: “E como é que o senhor quer que o avião decole, se estamos em pane total?”. Eu não tenho medo de viajar de avião. Ao contrário, até gosto muito. Mas panes na ida e na volta deixaram-me estressado. Em todo caso, pensei eu na ocasião, para me consolar, que panes ocorridas no solo são infinitamente melhores do que as que acontecem em pleno vôo...
Curiosamente, algumas semanas depois, minha prima Eliane Amaral foi passear em Nova York , voando pela Varig. No retorno, quando o avião começou a se movimentar pelas pistas, num estrondo ele perdeu uma asa. Sim, a asa caiu! Caiu por ter batido num obstáculo. Minha prima, chorando, e todos os passageiros foram levados para um hotel, à espera de novo vôo marcado para a manhã seguinte. A empresa aérea que foi um dia a melhor do Brasil e uma das melhores do mundo, já entrava num processo de decadência, infelizmente, muito infelizmente para todos nós.
A verdade é que após os dois incidentes relatados, nunca mais voei pelas mencionadas empresas aéreas. Desde então, para viajar ao Exterior faço como minha querida e saudosa tia Mariinha de Salles Souto e Silva, que só voava pela Swissair (hoje Swiss Air), a empresa aérea suíça, fosse qual fosse o seu destino, por ser considerada uma das mais seguras e sérias do mundo.
-o-
A aeronave PP-CET que aparece na foto da D. Edith sendo recebida pelo esposo (descrito como DC-3 da Real Aerovias) é, na verdade, um Convair CV-340 da Cruzeiro.
ResponderExcluirCaro amigo, obrigado pela correção. Então o avião da Real é apenas o que se vê na primeira foto, onde minha mãe aparece desembarcando. Um abraço.
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