Jornal Centro Cívico – Ano 6 – Novembro 2008 – Nº 57
Editora Responsável: Elaine C. Bento Prada
Páginas 8 e 9:
Detalhe:
Capa:
Jornal Centro Cívico: VISCONDE DE SOUTO – ASCENSÃO E “QUEBRA” NO RIO DE JANEIRO IMPERIAL.
Francisco Souto Neto
Desde o ano de 2006, eu e minha prima Lúcia Helena Souto Martini, que reside em Paulínia, SP, estamos pesquisando e escrevendo a biografia do banqueiro António José Alves Souto, o Visconde de Souto, nosso trisavô.
A importância do Visconde de Souto
O biografado nasceu em 1813, na cidade do Porto, Portugal, e veio para o Rio de Janeiro em 1829, aos 15 anos. Cinco anos depois estabeleceu-se por conta própria, criando a casa bancária A. J. A. Souto & Cia, conhecida como Casa Souto, precursora dos bancos privados no país. Pelo decreto nº 439, de 24.9.1857, o Souto passou a ser oficialmente o banqueiro da Casa Imperial do Brasil. Ele foi presidente da Beneficência Portuguesa e fundador da Junta de Corretores que deu origem à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Fez parte da primeira diretoria da Caixa Econômica. Era Comendador da Ordem da Rosa até que, em 1862, recebeu o título de Visconde, concedido pelo rei de Portugal, D. Luís I. Em sua chácara no bairro carioca de São Cristóvão, criou o primeiro jardim zoológico do Brasil, que franqueava à visitação pública. Em 1860, na Fazenda Bela Vista, onde plantava café, o Visconde de Souto mandou construir um oratório, hoje conhecido por “Capela Mayrink”, nome do seu último proprietário.
Pelo casamento dos filhos, aparentou-se com as famílias de Marquês de Olinda (Regente e Primeiro-Ministro do Brasil Imperial), Visconde de Pirassununga, Conde de Ipanema e Euzébio de Queiroz (Senador e Ministro do Império).
Capela Mayrink, mandada construir pelo Visconde de Souto
na sua Fazenda Bela Vista. Foto Sílvia Maria Pinheiro Grumbach.
Pelo casamento dos filhos, aparentou-se com as famílias de Marquês de Olinda (Regente e Primeiro-Ministro do Brasil Imperial), Visconde de Pirassununga, Conde de Ipanema e Euzébio de Queiroz (Senador e Ministro do Império).
O Visconde de Souto, OST de A. R. Duarte, 1890. Acervo da
Beneficência Portuguesa - Rio de Janeiro. Foto por gentileza
de Ney O. R. Carvalho.
A Chácara do Souto, residência oficial do Visconde, confinava com a Quinta Imperial da Boa Vista. Documentos da época atestam que o Imperador frequentava a Chácara do Souto para jogar xadrez com seu anfitrião e amigo.
Dona Maria Jacintha de Freitas Souto,
a Viscondessa de Souto. OST de A. R. Duarte, 1875.
Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.
Em 1864 a Casa Souto foi à falência, gerando a maior crise da história financeira do país, conhecida como "Quebra do Souto”. Segundo Ney O. R. Carvalho, na página 54 do livro “Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – 150 anos – A História de um Mercado”, com base em outros autores e documentos de posse do Arquivo Nacional, conta que o passivo da Casa Souto equivalia à metade da dívida pública interna do Brasil. A partir do gravíssimo episódio da Quebra do Souto, surgiu o sistema financeiro como hoje o conhecemos, com a separação da emissão de papel-moeda da de notas à vista, ambas então feitas pelo Banco do Brasil. Por ordem do Imperador, foi instaurada uma comissão de inquérito para apontar os culpados pela crise. A conclusão veio em 1866, inocentando o Visconde de Souto. Ele havia saldado quase todas as dívidas, às custas do seu enorme patrimônio pessoal. Reconquistou a confiança pública e continuou trabalhando como corretor de fundos até sua morte, em 1880, aos 66 anos.
Autores e livros já publicados
Muitos escritores referem-se ao Visconde de Souto como personalidade de seu tempo, e à “Quebra do Souto”, em livros que são marcos da Literatura Brasileira. Citam-no autores como Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, Visconde de Mauá, Barão do Rio Branco, Afonso Arinos, Ruy Barbosa, Nelson Werneck Sodré, Wilson Martins, Pedro Calmon, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Eduardo Bueno e muitos outros. Mais de 300 livros de inumeráveis autores mencionam o Visconde de Souto e a Quebra do Souto em português, inglês, francês, espanhol, alemão e holandês. Na Bibliografia do livro que estamos escrevendo, essas mais de 300 obras [consultadas até 2008, data deste artigo] vão relacionadas por ordem alfabética dos autores, seguidas do título de cada livro, nome da editora e ano da publicação, com a indicação dos números das respectivas páginas onde o Visconde é mencionado. As mais importantes revistas do Século XIX, Archivo Pittoresco e Semana Illustrada, e jornais de várias épocas, fazem referências ao Comendador e Visconde de Souto.
O Visconde de Souto. Fotografia sem data.
Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.
Os poetas modernistas Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, no livro que escreveram em coautoria, “Rio de Janeiro em Prosa & Verso”, lançado pela José Olympio Editora no ano de 1965, preservam a memória do Visconde de Souto no capítulo “Tu passaste por este jardim”, sob o título “O Jardim Zoológico do Souto”, transcrevendo o seguinte, nas páginas 91 e 92:
“A geração de hoje conhece de nome o Souto – pela notícia que tem da quebra de sua casa bancária, em 1864, arrastando em seu desmoronamento outras casas e bancos e levando a praça à grande crise comercial que tão profundamente a abalou.
O Souto, António José Alves Souto, foi um negociante português que, aqui chegando menino, pelo seu trabalho assíduo e inteligente, reuniu uma fortuna considerável e alcançou um crédito ilimitado.
Tão grande era a confiança que nele se depositava que sua casa bancária, em seu tempo, rivalizava, como carteira de depósito, com o Banco do Brasil, a mais importante instituição bancária do país.
Depositário de uma soma avultadíssima de haveres, mergulhado em inúmeros negócios a que a sua atividade não podia atender a um tempo, a Casa Souto ruiu, ocasionando prejuízos consideráveis no comércio do país e que se traduziram num verdadeiro cataclismo de que ainda hoje se fala com pavor.
Possuidor de grande fortuna, Souto era um espírito liberal e generoso. Tendo construído para sua habitação um belo palacete na Rua Barão de Monte Alegre, em meio a um grande e bem tratado parque, aí organizou um jardim zoológico, onde reuniu, à custa de muito trabalho e grandes despesas, muitas e variadas espécies dos mais interessantes animais do globo. Até um elefante existiu no jardim zoológico do Souto.
Organizado o parque, foi ele franqueado ao público e, durante muito tempo, foi o ponto predileto de reunião e passeio dos fluminenses nos domingos.
Sem as facilidades de locomoção que hoje existem, era a pé, pelo extenso caminho do aterrado, que os caixeiros, que recebiam dos patrões seis vinténs para se divertir nos domingos, iam passear à Chácara do Souto, o que não lhes custava nada”.
Escritores contemporâneos continuam mencionando o banqueiro português. Eduardo Bueno, no livro “Caixa – Uma História Brasileira”, edição de 2002, narra como o Visconde de Souto ofereceu os salões da sua mansão para que a diretoria recém-empossada da Caixa Econômica, da qual ele fazia parte, tivesse onde realizar as primeiras reuniões:
“A Caixa Econômica tem suas dívidas para com o Comendador Alves Souto: além de ceder os aposentos de sua residência para cerca de dez reuniões do Conselho, foi ele quem providenciou a mobília da sala da Câmara dos Deputados, no prédio da Cadeia Velha (onde atualmente se ergue o Palácio Tiradentes), na Rua da Misericórdia, onde ficara decidido que a Caixa, na falta de local mais apropriado, iniciaria suas atividades”.
Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Garcia, no livro “Registros Escravos”, lançado em 2006, revela na página 215 um raro episódio de “generosidade pública”: o Visconde de Souto várias vezes comprou escravos para imediatamente alforriá-los, isto é, para dar-lhes a liberdade por puro humanitarismo.
A Quebra do Souto
A notícia da Quebra do Souto chegou aos jornais portugueses a bordo do vapor Guienne. De Lisboa foi transmitida a Londres por cabo submarino, tendo o jornal “The Times” divulgado a notícia na página 10 da edição de 17.10.1864 e dias seguintes. Jornais de Nova York (Estados Unidos), Wellington (Nova Zelândia), e Sidney (Austrália) também noticiaram a Quebra do Souto.
No Brasil, não faltaram anedotas envolvendo a crise. Uma delas, que encontramos em jornais da época e em alguns livros, dizia que a Casa Souto ruíra com tamanha repercussão, que através de todo o Império, da corte aos remotos sertões, até os papagaios não paravam de gritar e repetir: “O Souto quebrou! O Souto quebrou!”...
Documentos históricos
Ao escrevermos “Visconde de Souto – Ascensão e ‘Quebra’ no Rio de Janeiro Imperial”, decidimos manter incólume a linha da realidade. Tudo o que estamos relatando tem base documental. E esta não vem apenas das centenas de livros pesquisados, mas sobretudo de documentos arquivados em instituições como: Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, Cúria Metropolitana, IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e outros.
Além de resgatar a figura do Visconde de Souto, o livro será um guia para melhor entender a economia brasileira da metade do Século XIX, explicando o mecanismo que fez nascer as primeiras casas bancárias no Brasil. A obra será prefaciada por Dalmiro da Motta Buys de Barros, ex-presidente do Colégio Brasileiro de Genealogia.
Além da cota que caberá aos patrocinadores do livro, que ainda não temos, este será distribuído gratuitamente a universidades, bibliotecas e pesquisadores de todo o país e alguns no Exterior.
Curitiba, agosto de 2008.
Legendas originais: 1ª foto – Visconde de Souto (acervo da Beneficência Portuguesa – Rio de Janeiro). 2ª e 3ª fotos: – Os autores Francisco Souto Neto e Lúcia Helena Souto Martini.
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