domingo, 28 de agosto de 2011

A NOVELA "CELEBRIDADE" E O "VERBO VIM" por Francisco Souto Neto


A NOVELA “CELEBRIDADE” E O “VERBO VIM”
por Francisco Souto Neto


Folha do Batel Ano 4 – Maio 2004 – Nº 49
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 13:

Capa:




 A NOVELA “CELEBRIDADE” E O “VERBO VIM”
Francisco Souto Neto


No capítulo da quarta-feira, 4 de dezembro de 2003, a sofisticada Beatriz, personagem da excelente Deborah Evelyn na novela Celebridade, elegantemente sentada no living de sua mansão, diz ao então seu marido Fernando (Marcos Palmeira): “Meu pai vai vim mais tarde, visitar o Inácio...”. Até ao mês de junho de 2004, a atriz continua demonstrando não conhecer a correta conjugação do verbo vir, o que é uma lástima, porque esse grosseiro erro gramatical quebra o ritmo da sua interpretação correta.
No entanto, a personagem Laura (Cláudia Abreu) que na trama é inculta e de educação rala, no capítulo da quinta-feira 18 de março de 2004, após nadar sozinha numa cobiçada piscina, chama o namorado corretamente: “Pode vir”. Também Eliete (Isabela Garcia) que interpreta uma moça simples e de pouco estudo, no capítulo de terça-feira 16 de março, convida Nelito em bom Português: “Você pode vir comer com a gente”.


Cláudia Abreu, em "Celebridade": ponto
a favor por saber conjugar o verbo vir.

Isabela Garcia em "Celebridade", também
conhece o verbo vir. Ponto a favor.

Deborah Evelyn em "Celebridade", diz: "você pode vim" em
vez de "você pode vir", e "se você vim" no lugar de "se você
vier". Não aprendeu a conjugar o verbo vir. Ponto contra.

Ora, parece-me claro: se é o autor que está errando ao escrever “vim” no lugar de “vir”, as atrizes Cláudia Abreu e Isabela Garcia demonstram, mesmo sem a intenção, ser bem letradas, e fazem com que suas personagens falem corretamente – e isto está certo. Até pessoas que não receberam boa educação também podem, por assimilação, falar como se deve. Mas se o autor escrever corretamente e se o erro for da atriz Deborah Evelyn, isto demonstrará não estar havendo nenhuma ação por parte dos diretores do folhetim e respectivas assessorias, nem dos seis coescritores (escrevem a novela em conjunto com Gilberto Braga: Leonor Basséres, Sérgio Marques, Márcia Prates, Maria Helena Nascimento, Denise Bandeira e Ângela Chaves). Ou, quem sabe, alguns dos escritores, por ignorância, realmente adotem o verbo “vim”, coisa que até apresentadores de programas de televisão – a exemplo de Raul Gil – e entrevistadores e entrevistados vêm fazendo com a maior naturalidade. [Outros exemplos negativos: Ana Maria Braga e Luciano Huck que insistem em “você poderá vim”, em vez de “poderá vir”].
O que mais me impressiona é não haver alguém – um colega de trabalho, um familiar, um amigo – que diga aos autores, ou à própria atriz Deborah Evelyn, que o seu insistente erro no idioma pátrio não é próprio para a personagem que ela faz, a de presidenta de uma das maiores empresas do Brasil, que deveria, supostamente, ter estudado nos melhores colégios.
No ano passado, quando a novela Mulheres Apaixonadas era exibida pela Rede Globo, enviei uma carta ao autor, Manoel Carlos, sugerindo-lhe um maior cuidado com o Português falado pelos seus personagens. Algum tempo depois, a revista VEJA publicou uma reportagem na sua edição de 3 de setembro de 2003, denominada “Mulheres revisadas”, na qual relatou o cuidado de Manoel Carlos ao contratar a professora Rosângela Rodrigues para identificar os erros da Língua Portuguesa expressos na novela, e corrigi-los. Eis um bom exemplo que poderia ser sistematicamente seguido por todos os diretores de novelas, atuais e futuras, de todas as emissoras. Não acredito que a minha modesta carta àquele diretor o tenha feito refletir. É que os erros eram tão escabrosos que, sem dúvida, deve ter havido uma enxurrada de reclamações, às quais, numa demonstração de civismo e boa vontade, Manoel Carlos não resistiu.
Se um dos mais importantes papéis da televisão deveria ser o de educar, que bonito favor fariam ao Brasil o autor de Celebridade, Gilberto Braga, e seus coautores, se a personagem elegante e bem letrada Yolanda (Natália Thimberg) ensinasse à simplória Jaqueline Joy (Juliana Paes) a correta maneira de falar, quando esta usasse o verbo vim. Valendo-se daquele timbre todo especial do qual só Natália Thimberg é capaz, associado ao seu piscar apertado, ela poderia corrigir Jaqueline assim: “Não, não, meu bem, não diga ‘pode vim’, que é errado e muito feio. O correto é ‘pode vir’. ‘Vir’, ouviu?”.
Não é que a trama da referida novela seja exemplar, em que pese a ótima direção e a excelente atuação dos atores – e são todos eles de primeiríssima linha, o que é habitual na Rede Globo. Bem a propósito, a revista VEJA de 19 de maio de 2004 afirmou em reportagem na página 117: “Na semana passada, a novela Celebridade apareceu em primeiro lugar na lista de programas mais apelativos da TV elaborada periodicamente pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados”. Mas se os autores de novelas, a exemplo de Manoel Carlos, fizerem um pouquinho de esforço em prol da Língua Portuguesa, já será de grande valia, porque do jeito que vão as coisas, e com o desastroso impulso que quase todas as emissoras de televisão vêm dando ao horripilante verbo vim, logo estaremos ouvindo a seguinte conjugação: “eu vinhei, tu vinheste, ele vinheio, nós vinhemos...”.

Francisco Souto Neto
Advogado e Jornalista

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