domingo, 28 de agosto de 2011

RÚSSIA: UM PASSEIO AO PALÁCIO DO ÚLTIMO CZAR por Francisco Souto Neto


RÚSSIA: UM PASSEIO AO PALÁCIO DO ÚLTIMO CZAR
por Francisco Souto Neto


Jornal Água Verde Ano 13 – Abril 2004 – Nº 273
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 13:


Capa:




 RÚSSIA: UM PASSEIO AO PALÁCIO DO ÚLTIMO CZAR
Francisco Souto Neto


São Petersburgo foi fundada em 1703 por Pedro o Grande para ser um porto para o Báltico, tornando-se a nova capital da Rússia já em 1712. Em 1914, sob o czar Nicolau II, teve o nome mudado para Petrogrado. Após a Revolução Russa de 1917 e imediatamente depois da morte de Lênin em 1924, passou a chamar-se Leningrado. Em seguida à Glasnost (abertura) e Perestróika (reconstrução), que determinou o fim do império soviético e proclamou a independência das repúblicas, em 1991 a cidade voltou a chamar-se São Petersburgo.
O Palácio de Inverno dos czares era o Hermitage. A czarina Elizabeth I, filha de Pedro o Grande, foi quem deu à edificação o aspecto grandioso que hoje vemos. Mas foi Catarina II quem, em 1764, iniciou a coleção de pinturas que viria a formar o acervo do futuro Museu Hermitage.

Conhecendo o Hermitage

Durante um cruzeiro pelo Mar Báltico, meu navio, o Song of Norway, esteve ancorado durante três dias em São Petersburgo. Após uns passeios pela cidade, integrei uma excursão para conhecer o Museu Hermitage.


Detalhe do interior do Palácio Hermitage.

A edificação é absolutamente esplendorosa, e a sucessão de corredores, escadarias e galerias estende-se por quilômetros. Colunatas de malaquita, estuques folhados a ouro, gigantescos lustres de cristal, salões decorados com móveis deslumbrantes, tudo impacta ao visitante. Porém o maior tesouro do Hermitage consiste das esculturas e, sobretudo, das pinturas. E é no sótão do museu que estão expostas as mais belas, sobretudo as da autoria dos impressionistas.

Tsarskoe Selo, o Palácio de Pushkin

Não pude conhecer o Grande Palácio de Peterhof porque estava fechado para reformas. Mas eu estava mesmo mais interessado em conhecer outro, o Palácio de Verão que, no tempo dos czares, era conhecido por Tsarskoe Selo (traduz-se como “vila do czar”), situado a 25 quilômetros ao sul de Petersburgo. Após a Revolução Russa, o Tsarskoe Selo – igualmente grafado como “Tsarskoïe Selo” – teve o nome mudado para Palácio de Pushkin, em homenagem ao poeta Alexander Pushkin, que também dá o nome à cidade que abriga o referido Palácio de Verão.
Só a fachada de três andares do palácio tem quase 300 metros de comprimento. Para entrar, o visitante tem que calçar pantufas de feltro sobre seus sapatos, para não ferir o piso da edificação. Os salões do primeiro andar intercomunicam-se por portas enfileiradas através dessas centenas de metros que criam uma perspectiva quase que do infinito. Cada uma das portas é ricamente emoldurada por entalhes de madeira à moda rococó, folhados a ouro. Como parte do palácio foi destruída na guerra por bombardeios, muito do que hoje se vê é reconstrução. Justamente para memorizar tal fato, uma das portas tem uma pequena área sem aplicação de folhas de ouro, para que os visitantes vejam que os entalhes são em madeira e se constituem de restaurações.


Souto Neto em frente ao Palácio de Pushkin.

Souto Neto num dos salões do Palácio de Pushkin.

A mesa do salão de jantar está posta, com pratarias, porcelanas e cristais, como que prestes a receber os czares Nicolau II e Alexandra. Os seus aposentos, indicados por placas, convidam o visitante a um retorno no tempo.
Tudo nos leva a pensar no sinistro Rasputin andando por aqueles corredores faustosos e a lembrar que o Tsarskoe Selo era a residência de Nicolau II e Alexandra, donde foram arrancados, com os filhos, pela violência da Revolução Russa de 1917 e levados para Tobolsk e, mais tarde, para Ekaterinburg (hoje Sverdlovsk ou Stovlorski), onde toda a família foi brutalmente executada em 16 de julho de 1918.

A execução da Família Romanov

Há um livro (que me foi presenteado por minha amiga Marlene Sant’Anna Ribeiro da Silva) editado pela Best Seller – infelizmente esgotado – denominado “O Último Czar”, da autoria de Edvard Radzinsky, que é o que de mais importante, sério e confiável há na literatura mundial sobre o assunto. Radzinsky é o dramaturgo mais encenado na Rússia depois de Tchecov, e suas peças são aplaudidas em todo o planeta. Também historiador, ele trabalhou na biografia de Nicolau II durante 25 anos, resultando na publicação do mencionado livro, um sucesso internacional.


Na capa do livro O Último Czar, a fotografia
de Nicolau II e sua família imperial.

O último czar, embora absolutista, era um homem bem intencionado. Contudo, fraco. Tinha planos de grandes reformas em favor do povo, mas foi tão lento nos seus desejos de mudanças que acabou engolido pela Revolução Russa. O movimento que levou o império russo ao comunismo foi mesmo brutal. Todos os Romanovs que não fugiram da Rússia, acabaram executados sem julgamento e cruelmente.
A família de Nicolau II e Alexandra constituía-se de quatro moças – as grã-duquesas Olga, Maria, Tatiana e Anastácia – e um garoto, o herdeiro denominado czaréviche, de nome Aleksei. O pequeno herdeiro era hemofílico. O monge Rasputin entrou nas suas vidas como um “homem santo”, o “único” que poderia salvar Aleksei das hemorragias e preservar-lhe a vida. Porém o “homem santo” era, fora das paredes do Tsarskoe Selo, dissoluto e amoral, cuja conduta acabou por colocar o povo contra os czares. É claro que a Revolução Russa vinha se esboçando de longe, e por outros motivos, tais como a fome, a miséria e os massacres do povo pela guarda imperial, fatos que eram parcialmente escondidos do czar pelos seus homens de confiança, mas não há dúvidas de que Rasputin foi uma das últimas gotas d’água numa situação política insustentável.
Àquela época, as famílias nobres tinham por hábito registrar seu dia-a-dia em diários. Afortunadamente, os diários de Nicolau II, de Alexandra e do pequeno czaréviche foram preservados. As grã-duquesas, porém, destruíram os seus respectivos, antes de serem presas.
Os inúmeros registros históricos dão alma aos Romanovs, fazendo-nos lamentar a violência que ceifou aquelas vidas, principalmente as dos filhos dos czares: o inocente e pequeno czaréviche Aleksei tinha apenas treze anos de idade! Com a família imperial, também o seu médico dr. Botkin, a dama-de-companhia Demidova, o lacaio Trupp e o cozinheiro Karithonov foram fuzilados. Um trecho do livro: “Demidova corria de um lado para o outro tentando proteger-se com uma almofada. Ela foi derrubada por baionetas. Quando todos haviam caído, os executores os examinaram e deram fim aos que ainda estavam vivos, a tiros ou estocadas. Da família Romanov, apenas Anastácia foi golpeada por baionetas”.
Corri os dedos pelos corrimões das escadarias do Tsarskoe Selo, toquei delicadamente os batentes dourados das portas, olhei a trama de madeiras nobres do piso, lembrei-me da maneira carinhosa como o último czar se referia ao seu lar, e, um tanto melancólico, não pude deixar de sentir um pouco da energia que emana daquele lugar onde aconteceram fatos que alteraram o rumo da História e mudaram o mundo radicalmente.

-o-

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