A IGREJA DO SANTO SEPULCRO EM JERUSALÉM
por Francisco Souto Neto
Jornal do Centro Cívico Ano II – Junho 2004 – Nº 17
Diretor-presidente: José Gil de Almeida
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Capa:
A IGREJA DO SANTO SEPULCRO EM JERUSALÉM
Francisco Souto Neto
Misteriosa, estranha, quase incompreensível é a cidade de Jerusalém. Festejada e chorada, lugar de antigos esplendores e intensos sofrimentos, ela foi encruzilhada de culturas, berço de religiões e centro do mundo. Terra de romanos e de cruzados, de israelitas, persas e árabes, foi construída e reconstruída tantas vezes, que hoje é muito difícil definir o que está construído sobre o quê.
Visitei Jerusalém no ano de 1991. Naquela época ainda era possível fazer turismo em Israel sem grandes apreensões. Num passeio ao mercado beduíno em Beer-Shiba e à Fortaleza de Massada, o retorno do meu ônibus a Jerusalém foi através de Jericó, em plena Cisjordânia – o que hoje seria impensável, pelo recrudescimento das ações bélicas entre Israel e a Palestina. Infelizmente, passam-se os séculos, arrastam-se os milênios, e Jerusalém prossegue sem conhecer a paz.
A igreja do Santo Sepulcro
Um dos mais importantes monumentos da Cidade Santa é a Igreja do Santo Sepulcro. Munido de um mapa, percorri a Via Dolorosa até chegar ao gigantesco complexo de construções executadas pelo imperador Constantino, cuja consagração ocorreu no ano de 335, no local onde, segundo a tradição, seria o túmulo de Jesus Cristo. Em outras palavras, toda a Igreja do Santo Sepulcro foi construída ao redor do Monte Calvário, onde houve a crucificação de Cristo, e da tumba onde teria sido ele enterrado.
O término da construção da igreja aconteceu nove anos após a primeira visita de Constantino a Jerusalém, na companhia da sua mãe Helena (mais tarde Santa Helena). Como já havia transcorrido mais de três séculos desde a morte de Jesus Cristo, não foi fácil localizar lugares como o Gólgota – ou Monte Calvário – e o próprio local da sepultura, pois Jerusalém tinha sido destruída em 66 d.C. por uma revolta judaica. Após a derrota da segunda revolta judaica (132-135 d.C.), a Cidade de David foi arrasada por ordem do imperador Adriano. As muralhas de Jerusalém foram destruídas e reconstruídas em lugares diferentes. Isto fez com que o Gólgota e a sepultura de Cristo, antes fora da cidade, ficassem abarcados por um dos novos muros. Os verdadeiros locais, no entanto, não podem ser comprovados cientificamente. O que hoje vemos são especulações. Vale lembrar que o chamado entulho dos séculos elevou o chão de Jerusalém em sete metros nos últimos dois mil anos. Portanto, as ruas percorridas por Jesus estão muito abaixo daquelas pelas quais hoje caminhamos.
Porta de entrada para a praça onde se localiza
a Igreja do Santo Sepulcro.
Esta é a fachada da Igreja do Santo Sepulcro.
Às costas de Francisco Souto Neto, a porta
de entrada para o templo.
Sob a cúpula principal da Igreja do Santo Sepulcro,
foi construída esta capela, a mando do imperador
Constantino, e dentro dela fica o túmulo de Jesus Cristo.
Planta do interior da Igreja do Santo Sepulcro,
que é um verdadeiro labirinto, quase uma cidade.
Bem abaixo do nível do solo, às costas de Souto Neto, encontra-se
a igreja onde Nossa Senhora está sepultada. Aquela porta de entrada
dá para uma escadaria que desce a uma profundidade impressionante.
A Igreja do Santo Sepulcro foi várias vezes modificada nestes últimos 1670 anos, especialmente na época das Cruzadas (fachada, campanário, deambulatório e igreja românica em 1149). Em 1808 um incêndio destruiu a rotunda constantiniana, seguido de trabalho restaurador.
É tão grande a igreja que abriga nada menos do que as cinco últimas das quatorze Estação da Cruz, que são: Jesus é despido, é pregado à cruz, morre, é retirado da cruz, é sepultado.
Descobrindo a igreja
Andar pelo interior do templo é uma experiência extraordinária. Logo após a porta de entrada, está a Pedra da Unção, onde o corpo de Jesus teria sido ungido e envolto em lençóis perfumados após sua morte na cruz. Ao lado direito, uma porta conduz a íngreme e estreita escada, sobre a qual lê-se a palavra “Gólgota” – que em hebraico significa “Lugar da Caveira” e, em latim, “Calvário”. Ali existem duas capelas maravilhosas, iluminadas por milhares de velas. À esquerda fica a ortodoxa grega, cujo altar foi construído exatamente sobre a rocha na qual, segundo se crê, foi fincada a cruz de Cristo. A pedra, chamada Pedra do Calvário, pode ser vista por um vidro ao redor do altar. Também é possível tocá-la através de um buraco no chão, sob o mesmo altar. Este é o local da 12ª Estação da via-crúcis. A capela católica romana fica à direita, onde estão as Estações 10ª e 11ª. O altar, todo em prata e bronze, foi doado por um Médici em 1588. Filmei amplamente as capelas do Monte Calvário no momento em que ali orava uma monja. Descendo pela escada até ao térreo, comecei a andar pelos corredores do imenso templo e, por vezes, tive a impressão de estar caminhando pelas ruas de uma estranha cidade. Depois, descendo por larga escadaria com cruzes entalhadas nas paredes por antigos peregrinos, cheguei à Capela de Santa Helena, feita pelos cruzados. Outra escadaria, levando a níveis ainda mais profundos do subsolo, dá na Capela Investio Crucis (“Descoberta da Cruz”), onde Santa Helena teria encontrado a “cruz verdadeira”. O teto dessa caverna, todo em rocha talhada, é em certos pontos tão baixo que se pode tocá-lo com as mãos
Até o telhado da Igreja do Santo Sepulcro é ocupado. Por incrível que pareça, ali existe um pequeno mosteiro etíope. Os etíopes foram obrigados a ocupar o telhado no século XVII quando, por não poderem pagar impostos aos otomanos, perderam para os coptas as capelas que tinham no interior da igreja.
Túmulo de Cristo
O túmulo de Jesus – o conhecido Santo Sepulcro – fica no andar térreo do templo, sobre o qual foi construída uma capela suntuosa. Confesso não ter gostado dos detalhes sobre a porta de entrada ao túmulo, que observei na semi-obscuridade enquanto esperava na longa fila pela minha vez para entrar, pois pareceu-me mórbido; poderiam representar folhas de árvore voltadas para baixo, mas a mim fez-me pensar em asas de quiróptero. Quem visitar o túmulo observe aquele estranho trabalho de algum artista cujo nome se perdeu na noite dos tempos.
Entram três pessoas por vez, porque o túmulo é pequeno. Primeiro, ingressa-se numa ante-câmara, em cujo centro localiza-se uma relíquia repousando sobre coluna com cerca de metro e meio de altura. Em seguida, passa-se por uma segunda porta baixa, na qual, de acordo com a tradição, o Anjo fez rolar a pedra, e desemboca-se no sepulcro propriamente dito. Num dos cantos, um sacerdote sentado – o guardião do lugar sagrado – lia as Escrituras. O teto é recoberto de lanternas penduradas. A rocha na qual teria sido deitado o corpo de Cristo é recoberta com placas de mármore, que estão polidas em depressões causadas pelo contato de mãos humanas. No dia seguinte, ao visitar o túmulo de Nossa Senhora em outra igreja, encontrei também mármores, ali laterais, que chegam a estar furados em inúmeros pontos, de tantos toques das mãos de peregrinos, como se estes quisessem alcançar os restos mortais da mãe de Jesus, como se desejassem tocar a santidade e o eterno. Também corri os dedos naqueles mármores, impressionado ao imaginar que há mais de mil e seiscentos anos, pessoas cheias de emoção e fé vêm desgastando a pedra com as mãos, enquanto oram. Quantos milhões de dedos ao longo do tempo, quantas esperanças, quantos desesperos, quantos pedidos, quantos agradecimentos – quantas centenas de gerações ali tocaram o mármore e depois desapareceram da face da Terra sem deixar vestígios, como poeira humana, tal como todos nós, de hoje, viremos a ser, em relação a um futuro remoto...
Após sair do túmulo, contornei-o para ver o que havia atrás. Encontrei ali uma pequena capela, com não mais do que um metro de largura, controlada, se não me engano, pelos coptas. Quando me viram, aqueles religiosos vieram ao meu encontro, oferecendo-me a sua mercadoria: óleos dentro de pequenos frascos. Disse-lhes que não queria, agradecendo. Eles insistiam em inglês: “Compre, é barato. Estes óleos estão santos, porque ficam aqui atrás, encostados no túmulo de Jesus”. Afastei-me aborrecido, pensando que ali nem tudo é espiritualidade e que não havia como não pensar no episódio bíblico dos “vendilhões do templo”. Aliás, aquele não era o único comércio ali dentro. Afinal, a Igreja do Santo Sepulcro foi dividida por diversas – e diferentes – seitas cristãs que a controlam: ortodoxa grega, armênia, católica romana e copta, aparentemente harmoniosas, mas sabidamente antagônicas.
Se a Igreja do Santo Sepulcro é, por si só, tão interessante, que dizer da própria Jerusalém? Cem edições deste jornal não preencheriam a extensão das minhas descrições e reflexões. Resta-me, pois, desejar que a Cidade Santa, venerada e sofrida, encontre, neste despertar do terceiro milênio, o caminho da paz.
-o-
Procurando uma foto da Capela do Santo Sepulcro, para um estudo maçônico (a entrada da capela, lembra um átrio maçonico), não pude deixar de ler o seu texto. Muito expressivo e com riquezas de detalhes. Parabens!
ResponderExcluirCaro Fábio Valverde. Fico contente que tenha gostado. Obrigado pelas boas palavras. Quando estive na Igreja do Santo Sepulcro, desconhecia certos detalhes sobre a história do templo. Anos depois, escrever o artigo acima, eu ainda não estava conectado à internet, o que fiz (com grande atraso) somente em 2006. Baseava-me em informações obtidas em leitura de antigos livros e revistas, que já nem imagino quais seriam. Recentemente fiz várias descobertas relevantes, mas agora através da internet. Por exemplo, a igreja do imperador Constantino, do Século Terceiro, foi destruída pelos persas em 614.Reconstruída, durou até 1009, quando Jerusalém estava sob poder dos muçulmanos, ocasião em que o califa mandou destruir todas as igrejas da cidade, a do Santo Sepulcro inclusive. Somente em 1149 a nova igreja, com a capela que agora conhecemos, foi consagrada. Portanto, essa construção tem "apenas" oito séculos e meio. Isto quer dizer que é bem provável, sim, que a capela do Santo Sepulcro tenha influência da ideias arquitetônicas maçônicas. Tenho vontade de retornar a Jerusalém para reavaliar tudo o que visitei naquela estranha cidade. Mais uma vez, obrigado pela observação. Seja sempre muito bem-vindo. Um abraço.
ResponderExcluirRefiro-me à terceira linha da minha resposta acima (de 27.4.2012). Onde está escrito "Anos depois, escrever o artigo acima...", leia-se: "Anos depois, AO escrever o artigo acima...". Obrigado.
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