quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O FASCINANTE CEMITÉRIO PÈRE-LACHAISE por Francisco Souto Neto


O FASCINANTE CEMITÉRIO PÈRE-LACHAISE
por Francisco Souto Neto


Folha do Batel Ano 4 – Novembro 2002 – Nº 37
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Capa:



Página 5:



O FASCINANTE CEMITÉRIO PÈRE-LACHAISE
Francisco Souto Neto

Prólogo: cemitérios paulistas e cariocas

Houve um tempo, talvez até ao começo da segunda metade do século XX, em que no Brasil os cemitérios paulistas e cariocas atraíam as pessoas que costumavam ir ver as extraordinárias obras de arte neles existentes. Depois, com o aumento da pobreza no país e o consequente avanço da violência urbana, os túmulos começaram a ser vandalizados. Primeiro, os ladrões subtraíam as esculturas, e mais tarde tudo o que fosse de bronze, das portas e floreiras às simples maçanetas das capelas, sem que as administrações conseguissem conter os furtos crescentes.
Atualmente, cemitérios de grande beleza como a Necrópole São Paulo e o Cemitério da Consolação, chegaram ao cúmulo de serem frequentados por marginais que assaltam as pessoas que vão levar flores à memória dos seus entes queridos. Conheço muito bem essa situação, porque tenho familiares lá sepultados.
No Rio de Janeiro a situação é mais grave. No Cemitério São Francisco de Paula, mais conhecido como Cemitério do Catumbi, onde estão sepultados meus trisavós António José Alves Souto, o Visconde de Souto (1813-1880) e Maria Jacintha de Freitas Souto, a Viscondessa de Souto (1819-1885), os túmulos têm sido sistematicamente depredados por vândalos da favela vizinha, da qual o setor histórico da necrópole (os quadros 1 e 2) é separado por um simples muro de contenção. Pobre e violento Brasil!
Isso certamente jamais aconteceria nos países que alcançaram alto grau de civilidade. Na Europa, visitas a cemitérios são muito naturais. Turistas procuram conhecer as necrópoles europeias por diversos motivos, sobretudo, digamos, pela curiosidade cultural.
Sempre que passo alguns dias numa cidade da Europa, costumo visitar seus cemitérios, e as lições apreendidas são invariavelmente surpreendentes. Conheço dezenas de cemitérios de diversos países do Velho Continente. Hoje vou referir-me à mais interessante das necrópoles de Paris: o Cemitério Père Lachaise.

O cemitério Père-Lachaise

No ano de 2001 estive em Paris com meu companheiro de muitas viagens, Rubens Faria Gonçalves, quando fizemos uma visita por toda a tarde ao Cemitério Père-Lachaise, cujas sepulturas famosas e marcantes esculturas funerárias tornaram-no um lugar agradável para um passeio sereno e nostálgico. Ali estão inumadas celebridades de várias épocas, que vão de Abelardo e Heloísa, e de Chopin, a Oscar Wilde e Jim Morrison.

Rubens Gonçalves na entrada principal
do Cemitério Père-Lachaise de Paris.

De posse de detalhado mapa que compramos à entrada do Père-Lachaise, começamos a visitar alguns dos túmulos. Nem sempre é fácil localizá-los, porque pode acontecer de não estarem nas ruas principais, mas dentro de pequenos labirintos e becos. Um dos primeiros que encontramos, foi o do compositor Bizet, que nos remeteu a uma das mais famosas árias da sua ópera “Carmen”: “Près des ramparts de Seville, chez mon ami Lilas Patia”...

Souto Neto na sepultura de Bizet.

Um dos túmulos mais comoventes, talvez pela simplicidade, é o do casal Yves Montand e Simone Signoret, ambos expoentes da dramaturgia e do cinema francês. Sobre esse túmulo, os fãs deixaram algumas mensagens gravadas em pequenas placas de mármore ou granito, que ficam ali sem estar fixadas à campa, mas que são respeitadas pelos visitantes que jamais as retiram de onde se encontram. Uma delas diz simplesmente: “A vous deux que ja tant aimeé” (“A vocês dois que eu tanto amei”).

Sepultura dos atores Simone Signoret
e Yves Montand.

Tumba rústica de Allan Kardek.

O túmulo mais florido de todo o cemitério é o de Allan Kardek, onde jaz o fundador da doutrina espírita. O mais feio que visitamos, ao menos na minha opinião, é o de Sarah Bernhardt, grande diva do teatro. Curioso é que o de Oscar Wilde, poeta inglês, encimado por estátua art-nouveau de um anjo alado. Digo que é curioso porque a fachada do túmulo está repleta de beijos com batom. Pelo que li, batom sobre granito fosco torna-se quase indelével e seu desgaste pelas intempéries poderá demorar muitos anos.

Beijos de batom no túmulo de Oscar Wilde.

 Melancólico é o túmulo de Madame Lamboukas, conhecida como Edith Piaf, “o pequeno pardal” da música francesa. O mais polêmico é o de Victor Noir, jornalista do século XIX, morto a tiros aos 22 anos por Pierre Bonaparte, primo de Napoleão III. Sobre tal túmulo está a figura em bronze do jovem morto, que jaz virado para cima, elegantemente trajado com sobretudo, e belas botas. Ao lado vê-se sua cartola caída – tudo, é claro, em bronze. Dizem que Victor Noir estimula a fertilidade. Há três locais da estátua que estão com o bronze polido de tanto serem tocados por mãos femininas: as pontas das botas, os órgãos genitais e os lábios. Segundo consta, há mulher que chega ao extremo de se deitar sobre a figura, na esperança de engravidar (sic). O desgaste nos lábios, comenta-se em voz baixa, pode ser de tantos beijos ali depositados... Coisa de gente excêntrica ou, ao que parece, de muito bom-humor.

Uma turista no túmulo de Victor Noir.

Modigliani e Jeanne Hébuterne

O túmulo que meu amigo Rubens mais desejava visitar, e por coincidência também eu, era o de Amédeo Modigliani, seu – e igualmente meu – pintor predileto. Italiano, Modigliani morreu de pneumonia aos 36 anos de idade, quando apenas começava a conhecer a fama. Os seus retratos com figuras de longos pescoços são belíssimos. Ele era casado com uma jovem francesa de nome Jeanne Hébuterne, por ele muitas vezes retratada. Para mim, a figura de Hébuterne é uma das mais comoventes da História da Pintura.

Retrato de Jeanne Hébuterne
feito por Modigliani.

 Acrescente-se que ela, não suportando a morte do marido, suicidou-se no dia seguinte, aos 22 anos, atirando-se da sacada do 5º andar do prédio onde moravam. Eu, que sempre me perguntei onde estaria ela sepultada, descobri naquela tarde que Jeanne Hébuterne e Modigliani estão juntos na mesma sepultura. Na campa, abaixo do nome do pintor, consta o dela: “Jeanne Hébuterne, di Amédeu Modigliani compagna devota fino all estremo sacrifizio” (“...de Amadeu Modigliani a companheira devota até ao extremo sacrifício”).

Túmulo de Modigliani e Jeanne Hébuterne.

Foram centenas os jazigos que admiramos, dentre os quais o do poeta e fabulista La Fontaine, ao lado do dramaturgo Molière.

Elevados como se fossem duas piras,
os túmulos de La Fontaine e Molière.

O último a visitarmos, talvez o mais belo de todo o cemitério, com delicadas colunas e ogivas góticas, foi o de Abelardo e Heloísa. Teólogo e filósofo, Abelardo amava Heloísa, sobrinha do cônego Fulbert que, contrário ao romance, mandou castrá-lo. As cartas trocadas entre os amantes é uma das mais belas obras literárias da Idade Média. O casal pôde ser unido somente na morte, no Cemitério Père Lachaise.

Belíssima tumba de Abelardo e Heloísa.

Vale registrar que também visitamos o Columbarium, muito bonito e em grande parte subterrâneo. Ali estão guardadas as cinzas dos que foram cremados. Localizamos o lóculo da dançarina Isadora Duncan, morta num acidente de carro, estrangulada por sua écharpe, e também o de Maria Callas, grande diva da ópera. A placa com o nome desta última, foi colocada por um fã-clube e não pelos familiares, que a detestavam, porque a Callas, a mais famosa soprano de todos os tempos, não dava a mínima importância a seus familiares, nem mesmo à própria mãe.
Ao deixarmos o cemitério, fizemos de conta que os espíritos daqueles cujos túmulos visitamos, acompanharam-nos festivamente até ao portão.

-o-

OBSERVAÇÃO:


Em 9.10.2014 vou anexar dez fotos curiosas do túmulo de VICTOR NOIR encontradas na web:


Túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Loucuras sobre o túmulo de Victor Noir

Os lábios desgastados pelo excesso de beijos. Será que Victor Noir não conseguirá descansar em paz?

-o-




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