sexta-feira, 12 de agosto de 2011

NOVOMUSEU, OBRA GENIAL DE NIEMEYER por Francisco Souto Neto


NOVOMUSEU, OBRA GENIAL DE NIEMEYER
por Francisco Souto Neto


Jornal do Centro Cívico Ano II – Dezembro 2002 – Nº 7
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Capa:



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NOVOMUSEU, OBRA GENIAL DE NIEMEYER
Francisco Souto Neto (*)


A inauguração do NovoMuseu (1) de Curitiba, ocorrida em 22 de novembro de 2002, contou com a presença de Oscar Niemeyer, do presidente Fernando Henrique Cardoso, alguns ministros e autoridades locais.

O ato inaugural e a obra de Niemeyer

As solenidades de inauguração do NovoMuseu começaram com bastante atraso e duraram uma hora. Senti-me um pouco preocupado enquanto o arquiteto Niemeyer, aos 95 anos de idade, permaneceu impassível. Embora pequeno na estatura, há em Niemeyer alguma coisa de majestoso, o que, entretanto, não entra em conflito com sua aparente simplicidade. Sempre que mencionado e elogiado nos discursos, tanto do presidente quanto do governador, foi longa e merecidamente ovacionado pelas muitas centenas de convidados.
O que para mim se evidencia é que a arquitetura de Niemeyer torna-se mais bela e mais “leve” na medida em que o arquiteto avança no tempo. Na época de Juscelino Kubitschek eu era ainda adolescente, mas acompanhei com interesse todo o processo de construção de Brasília, e guardo livros daquela ocasião, contendo todos os diferentes projetos concorrentes, cujo vencedor foi o de Lúcio Costa. Oscar Niemeyer criou os edifícios da nova capital.
Nos anos 50, sob influência de Le Corbusier, a arquitetura era principalmente retilínea, mais ou menos na linha do nosso Palácio Iguaçu, uma construção que hoje costumamos achar monótona e sem atrativos – um simples caixote envidraçado. Porém, mesmo ao conceber os prédios de Brasília, Niemeyer valeu-se bastante das formas curvilíneas, criando alguns exemplos de plasticidade e leveza, dos quais, pelo menos para mim, a Catedral é expoente.
Não sou admirador das fases mais antigas do arquiteto, nem mesmo de Brasília como um todo. Mas com a passagem do tempo, ele depurou cada vez mais o seu estilo e, já na avançada idade, criou obras-primas, como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói e o “olho” do museu de Curitiba. Isto parece tornar Niemeyer – já quase centenário – um homem sem idade, francamente atemporal. Um homem quase eterno, como a eternidade da sua própria obra, um arquiteto lúcido que cada vez mais intensamente faz transmudar o concreto em formas fluídicas e etéreas, que parecem querer desafiar a gravidade e alçar vôo.
Da sacada e das janelas do meu apartamento acompanhei, de longe, a construção do NovoMuseu e fiquei muito impressionado com a rapidez com que tudo aconteceu. Guindastes e gruas giravam com velocidade vertiginosa enquanto a obra tomava forma. Cheguei a temer pelos seus alicerces: estaria a pressa do governador pondo em risco a estabilidade da construção? Felizmente, ao que se vê, o museu resultou bem firme. O governador realmente mostrou-se obstinado pela construção e determinou, a qualquer custo, a sua construção até à data que ele mesmo marcou para a inauguração. Podia-se imaginar que as calçadas ao redor do museu ficariam incompletas, como de fato ficaram, esburacadas, e a grama dos jardins foi plantada de forma bruta. Mas quase chego a compreender que Jaime Lerner tivesse tanta pressa: afinal, que outro vestígio do seu governo é visível em Curitiba? Somente o NovoMuseu. Explico-me: Lerner, como prefeito, foi um administrador que inovou admiravelmente, e sua grande obra em prol da capital do Paraná é incontestável. Mas como governador tornou-se uma decepção. Querendo ver o museu inaugurado durante seu governo, apressou-se para compensar os abismos que provocou no Estado, tal como o vazio causado pela morte do Banco do Estado do Paraná, aquele mesmo Banestado que ele, em campanha política, comprometeu-se a não vender durante o seu governo – uma mentira de gravíssimas consequências para o Paraná e até para ele próprio, já que a soma dos seus erros e omissões fez extinguir o caminho que pretendia trilhar em direção ao Palácio do Planalto, liquidando-lhe a carreira política.
Vale registrar que nas solenidades inaugurais do NovoMuseu, não só Niemeyer foi muito aplaudido: também os trabalhadores que realizaram a obra, com incansável entusiasmo, ao serem mencionados num dos discursos, foram ovacionados pelos presentes, em espontânea, comovente e merecida homenagem,.

Acervo e exposições

Com área de 16700 metros quadrados para exposições (mais que o dobro do Museu de Arte de São Paulo e muito maior do que, por exemplo, o Museu Guggenheim de Bilbao ou a Tate Modern de Londres), o NovoMuseu foi inaugurado com sete diferentes mostras, uma das quais a fascinante coleção de Pascual Gutiérrez Roldán, com obras de Orozco e Siqueiros, dentre outros nomes mexicanos mundialmente respeitados.
A reserva técnica do museu está armazenada em ambientes climatizados. Estão ali os grandes tesouros das artes plásticas do Paraná, à espera do momento adequado para serem mostradas ao público.  Reuniram-se os acervos do Museu de Arte do Paraná, Museu de Arte Contemporânea, e outros, até mesmo do extinto Banestado.
Quero ressaltar que o Banco Itaú, ao comprar o Banestado, pretendia emprestar todo o seu acervo ao governo do Paraná, em comodato, por um prazo de dez anos. Muitos intelectuais do Paraná mobilizaram-se para melhorar tal situação, e eu mesmo fiz uma pequena publicação a respeito. A diretoria do Itaú, sensibilizada com as manifestações, então decidiu, num ato de grandeza, doar todas as obras de arte ao Estado, em definitivo. Este é um episódio que não pode ser esquecido pela cultura paranaense. Igual sorte não tiveram os funcionários aposentados do Banestado, tratados pelo Governo Lerner como móveis e utensílios descartáveis, e neste momento, com seu plano de saúde prestes a naufragar junto a todas as esperanças com que ajudaram, em tempos mais éticos, a construir o Estado do Paraná. Realmente dramática foi a situação dos funcionários que estavam em atividade por ocasião do leilão do Banestado, que se viram, a pouco e pouco, sendo despejados na rua. É óbvio: o NovoMuseu veio para tentar limpar um pouco a imagem de Lerner nos estertores do seu mandato. Mas isto, nem a beleza de Niemeyer vai conseguir.
Eu conheci o acervo do Banestado como poucos, por ter presidido durante certo tempo a Comissão para Aquisição de Obras de Arte do extinto banco, bem como recomendei a criação de uma arquivo das obras existentes. Ao acervo do Banestado somaram-se os premiados em diversos Salões Banestado de Artistas Inéditos – concurso por mim idealizado e de grande sucesso nos anos 80 e 90 – tais como Jandira Martini, Edilson Viriato, Rubens Faria Gonçalves e outros. Telas do Museu Banestado, salvas do desmantelamento do saudoso banco oficial paranaense, agora fazem parte do NovoMuseu.
Resta-me sugerir ao NovoMuseu, em próxima oportunidade realizar exposições com as obras do antigo Banestado e, ao mesmo tempo, desejar à sua primeira diretoria, e às que a sucederem, um trabalho tão espetacular quanto o novo espaço que ganharam e terão o privilégio de dirigir em prol da cultura e do povo paranaense.

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(*) Francisco Souto Neto é advogado, jornalista e crítico de arte, e foi conselheiro do Sistema Paranaense de Museus, diretor da Associação dos Amigos do Museu de Arte Contemporânea, Museu Paranaense e Museu da Imagem e do Som, conselheiro do Museu de Arte do Paraná, diretor do Instituto Saint’Hilaire da Defesa dos Sítios Históricos, presidente da Comissão para Aquisição de Obras de Arte do Banestado, assessor da diretoria, da presidência e para assuntos de cultura do Banestado, criador do Museu Banestado e do Salão Banestado de Artistas Inéditos, conselheiro do Programa de Cultura da Telepar.

(1) Observação em agosto de 2011, nove anos após a publicação do artigo acima: O nome NovoMuseu (sem separação entre as duas palavras), por sugestão do próprio Jaime Lerner, era bem adequado e moderno, mas durou poucos dias. Logo que Roberto Requião foi empossado Governador do Estado, alterou o nome para “Museu Oscar Niemeyer” provavelmente movido pelo propósito, quase sempre comum a alguns que alçam ao poder, de tentar apagar as realizações dos seus antecessores.

OBSERVAÇÃO:

Este mesmo artigo foi publicado também na
Folha do Batel ano 4 – Dezembro 2002 – Nº 38, p. 5.

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