sábado, 27 de agosto de 2011

VENEZA, SENHORA DO MUNDO por Francisco Souto Neto


VENEZA, SENHORA DO MUNDO
por Francisco Souto Neto


Jornal do Centro Cívico Ano II – Dezembro 2003 – Nº 14
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 11:



Capa:



 VENEZA, SENHORA DO MUNDO
Francisco Souto Neto


A cidade de Veneza foi construída sobre centenas de ilhotas situadas numa laguna, separadas por incontáveis canais, a quatro quilômetros de distância da terra firme. Por volta do século XV era a maior cidade do planeta e uma das mais poderosas nações do mundo. Era a República Sereníssima de Veneza.

A história da Sereníssima

A história de Veneza é muito antiga, pois por volta do ano 500 as ilhas da laguna situada no litoral do Mar Adriático começaram a ser habitadas. Em 726 foi eleito o primeiro magistrado supremo da região vêneta, com o título de doge (duque) e muito cedo lançou as bases de um fabuloso império comercial. Participou das Cruzadas e depois, graças a Marco Polo, estabeleceu relações comerciais com o Extremo Oriente. No século XIV a população de Veneza atingia os 100 mil habitantes, tornando-se a maior cidade do mundo. Nem a queda de Constantinopla em favor dos turcos, em 1453, abalou o poderio veneziano.
Cheia de extraordinários palácios, seu declínio começou só após a descoberta das novas rotas atlânticas – os novos caminhos para a Índia – contornando-se o Cabo das Tormentas. Mas apenas em 1866 Veneza foi anexada à Itália.


O mapa de Veneza, ao centro, com Murano, Burano
e Torcello ao norte, e a Guidecca e o Lido ao sul.

Impressões de Veneza

No final do século XIX Veneza foi unida ao continente por um aterro sobre a laguna, com quatro quilômetros de extensão. A cidade continental chama-se “Veneza Mestre”. Para os turistas desavisados, aí poderá estar o primeiro equívoco da sua viagem: quando o trem pára em Veneza Mestre, alguns desembarcam pensando que chegaram ao seu destino. Mas em seguida o trem segue em direção à verdadeira Veneza, através do aterro. O ponto final é a Estação Santa Luzia (em italiano escreve-se “Lucia” e pronuncia-se “lutchía”).
A cidade de Veneza não é muito grande. Na forma de um peixe, tem cerca de sete quilômetros de comprimento por uns dois e meio de largura. Ela é cortada por um grande canal – chamado, muito apropriadamente, de Canal Grande – que serpenteia pelo seu centro como um S invertido, que se liga a muitas centenas de outros canais menores. Obviamente, na cidade não circulam carros, mas embarcações: os vaporettos (que são os ônibus), as gôndolas (caríssimas, reservadas aos turistas ricos ou aos mais “deslumbrados”), os targhettos (que fazem a travessia de pedestres de um lado ao outro do Grande Canal, já que este, em toda a sua extensão, conta com apenas três pontes) e os barcos de todas as espécies imagináveis: barco-policial, o dos bombeiros, o nupcial, o funeral... e uma infinidade de outros.
Numa das vezes em que estive em Veneza (e já visitei a cidade por quatro vezes, jamais em excursão, sempre por lá permanecendo por muitos dias a cada vez), tive a sorte de assistir à Grande Regata Histórica, um acontecimento que ocorre somente no primeiro domingo de setembro. Nessa ocasião desfilam grandes e luxuosas embarcações, até as que eram usadas pelos Doges, todas revestidas de folhas de ouro.

Labirinto e beleza

Depois de instalado no seu hotel, o turista quer sair pelos becos e ver os canais. E é só trocar os primeiros passos para descobrir que Veneza é um labirinto. Se alguém, por exemplo, sair em direção à Praça de San Marco, é capaz de, uns 30 minutos depois, descobrir-se de volta, sem querer, à porta do seu hotel. É muito comum andar-se em círculos sem que se perceba.
Em minha primeira viagem à antiga República Sereníssima, passei a me orientar pela posição do sol e pensei até em comprar uma bússola para me deslocar pela cidade. Nas vezes seguintes, porém, fui aprendendo a andar pelo labirinto veneziano, e hoje orgulho-me de caminhar despreocupadamente, quase sempre sem me perder...


Souto Neto com pombos da Piazza di San Marco,
e com a basílica ao fundo.

Souto Neto nos becos de Veneza.

Atrás de Francisco Souto Neto, o lugar que no filme "Summertime"
(no Brasil "Quando o Coração Floresce"), com Katherine Hepburn,
era a loja de antiguidades de Rossano Brazzi.

Veneza é um lugar do mais absoluto fascínio. Talvez seja a mais bela e a mais romântica cidade do mundo. Mas tenho ouvido reclamações de turistas que lá estiveram. Falam que os canais cheiram mal, que os becos são escuros, e que as construções estão descascadas... Quem viaja em excursão e, quase sempre, se hospeda não na verdadeira Veneza, mas nos hotéis de Veneza Mestre, que anda seguindo os passos de um guia de turismo, que costuma ter “uma tarde livre” para passear, e que não dispõe de muitos dias de total liberdade para explorar aquele tesouro, dificilmente amará a cidade. “Cheiro”, é claro que tem, como qualquer outra cidade a beira-mar. Mas quem vai ficar preocupado com cheiro de maresia ou de esgoto, quando se está na mais bela cidade do mundo? Sim, as construções são descascadas, mas basta dar uma olhada através de uma janela entreaberta para se notar os tetos com afrescos e detalhes folhados a ouro. Becos escuros? Sim, mas pelos quais senhoras podem andar à noite, rumo a um cinema ou à casa de amigos, sem o temor de serem assaltadas.

Santa Luzia

As maravilhas arquitetônicas de Veneza são do conhecimento de todos, a começar pela Piazza de San Marco e sua faustosa basílica (com tesouros saqueados de Constantinopla pelas Cruzadas), pelos palácios do Grande Canal e ricos museus, e também pelas incontáveis igrejas e outras construções monumentais.
Contudo, para que o leitor perceba a incomensurável riqueza cultural da cidade, vou mencionar apenas um exemplo: o da Igreja de San Geremia e Santa Lucia (Luzia). Essa igreja não consta de muitos dos mais famosos livros-guias de Veneza, e a descobri levado apenas pela curiosidade. Quando passava por uma rua de grande comércio, chamada Lista di Spagna, vi uma igreja no canto de uma praça, na qual entrei para conhecer. Bem próxima ao altar há uma urna de cristal, em cujo interior encontra-se o corpo de Santa Luzia. A santa está vestida, mas com mãos (cruzadas sobre o peito) e pés à mostra, ressequidos, com uma débil camada de pele recobrindo os ossos. O rosto, oculto sob uma máscara lisa de ouro. [Recentemente a máscara lisa foi substituída por outra, de metal, no formato de um rosto]. À direita, em outra urna também de cristal, está o corpo de São Geremias, em circunstâncias idênticas.


Corpo de Santa Luzia já com a nova máscara.

O corpo de Santa Luzia com a nova máscara.
Detalhe das mãos.

Só depois de retornar ao Brasil, pesquisei o assunto. Descobri que a mártir cristã nasceu em Siracusa no ano de 283. Perseguida ao tempo de Diocleciano, morreu em 304 defendendo sua virgindade. De algum modo, os seus restos mortais, em perfeito estado de preservação, foram parar em Constantinopla, donde foram pilhados pelas Cruzadas e levados para Veneza em 1204. A santa é a protetora dos olhos e a ela são atribuídos milagres há já uns 1700 anos. A Igreja de Santa Luzia, construída para abrigar as suas relíquias – isto é, seu corpo – foi demolida no fim do século XIX para dar lugar à estação ferroviária de Veneza – que, a propósito, ganhou o seu nome: Estação Santa Luzia. O corpo da santa foi então trasladado para a igreja de São Geremias, onde os dois santos passaram a descansar quase lado a lado.
O encanto de Veneza, aliado a seus mistérios, faz dela um dos lugares mais fascinantes do globo. Eu acho que quatro viagens a essa rainha das cidades ainda são poucas. Haverei de visitá-la mais uma vez... E mais outra... E outra ainda...

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OBSERVAÇÃO: Esta mesma matéria foi também publicada na Folha do Batel Ano 4, Dezembro 2003, Nº 46, página 9.

-o-


4 comentários:


  1. Ola! Fiquei em Veneza na semana passada e achei muito legal o tour entre os bar tradicionais, os “bacari”.. este è ate em Portoguese

    http://www.bacarotourvenice.com

    conselho pra quem gosta de vinho!
    um saludo

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  2. Muito interessante, a minha Cidade Carangola/MG (Brasil) tem Santa Luzia como Padroeira.

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