terça-feira, 23 de agosto de 2011

VERONA, DO BALCÃO DE JULIETA AO JARDIM GIUSTI por Francisco Souto Neto


VERONA, DO BALCÃO DE JULIETA AO JARDIM GIUSTI
por Francisco Souto Neto


Folha do Batel - Ano 4 – Setembro 2003 – Nº 44
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 9:



Capa:



VERONA, DO BALCÃO DE JULIETA AO JARDIM GIUSTI
Francisco Souto Neto


O Jardim Giusti tem sido considerado, durante séculos, não só o mais belo da Itália, mas de toda Europa. Localiza-se na cidade de Verona, a mesma onde pode ser visitado o “balcão de Julieta”, conhecido da famosa tragédia de Shakespeare.

A cidade de Verona

Quando eu e meu companheiro de viagem Rubens Faria Gonçalves planejamos uma nova visita a Veneza, decidimos que durante os dias em que estivéssemos hospedados naquela cidade, faríamos um rápido passeio à vizinha Verona, com o objetivo principal de conhecer o seu famoso Giardino Giusti.
A viagem de trem de Veneza a Verona dura apenas vinte minutos. Lá chegando, conhecemos a Piazza Bra, onde se localiza uma arena inaugurada no ano 30 d.C., mais bem preservada do que as ruínas do Coliseu de Roma. Em seguida, dirigimo-nos à Piazza delle Erbe, que também há dois mil anos funciona como mercado, em cujo centro ergue-se a impressionante Fontana de Madonna Verona. Os prédios ao redor da praça são medievais e renascentistas. O mais antigo deles, de quatro andares, chamado Casa dei Mercanti, é do ano 1301. Daí, resolvemos ir ao Giardino Giusti, mas passamos antes pela casa de Julieta, que ficava no caminho.

A casa e o seio direito de Julieta

Esclareço de imediato que Romeu e Julieta nunca existiram. A tragédia escrita por William Shakespeare é a dramatização de uma antiga lenda veronesa, envolvendo imaginárias famílias rivais: os Capuletos e Montésquios. O dramaturgo inglês nunca esteve em Verona e escreveu a peça sabendo que seus personagens não tinham confirmação histórica. Mas tal foi a força da tragédia shakespeareana que a lenda se imortalizou com a peça teatral sendo encenada através dos séculos e dos países do mundo. Até o cinema não se cansa de criar sempre novas versões para a história de Romeu e Julieta.
Os italianos, com sua ampla visão de turismo, pegaram uma linda estalagem do século XII com bela sacada e sobre o pequeno jardim, localizada no nº 27 da Via Cappello, e transformaram-na na “Casa de Julieta”. Inventaram também a “Casa de Romeu” algumas ruas adiante, na Via Arché Scaligere. Como se não bastasse, na Via Dei Pontieri, numa cripta sob o claustro de San Francesco al Corso, onde ficam as covas dos antigos indigentes, foi construída uma “tumba de Julieta”.
Mas aí é que surge um fantástico paradoxo: à medida em que entramos por uma passagem coberta, rumo ao pequeno pátio interno onde está a porta da Casa de Julieta com o balcão de mármore no andar superior, fomos observando o inacreditável clima de magia que existe no lugar! Fiquei muito impressionado com o que vimos nas paredes, portas e degraus: tudo está forrado de mensagens de amor e desenhos de corações feitos pelos visitantes. As mensagens são escritas em cores diferentes que vão se sobrepondo, de modo que já não se sabe qual seria a cor original das paredes. Eu me senti como se entrasse numa “sala dos milagres” de um templo místico. Meu amigo, também perplexo, deve ter tido a mesma impressão porque exclamou: “Mas isto parece um santuário!”.
Ao lado da porta há uma estátua em bronze de Julieta, em tamanho natural. Seu seio direito está brilhante de tanto ser apalpado pelos turistas. É que reza a lenda que aquele seio da estátua deve ser afagado para dar sorte nos negócios e no amor. É preciso fazer fila para chegar à estátua e realizar o ritual da carícia ao seio. Dezenas de pessoas observam, como se fossem a plateia de um teatro, e nós, os atores...


Parede do corredor de entrada à Casa de Julieta com as
juras de amor gravadas pelos casais que a visitam.

Souto Neto olhando para a câmera. Ao fundo, um pouco à
esquerda, num plano mais elevado, a estátua de corpo inteiro
de Julieta. À direita, a porta de entrada à casa. No 1º andar,
o "balcão de Julieta".

Rubens Gonçalves tocando o seio direito de Julieta,
como manda a tradição...

Souto Neto mostrando as paredes da Casa de Julieta
repletas de pedidos, como se fosse um local sacro.

As mensagens de amor e pedidos preenchem todos
os espaços das paredes e portas da casa de Julieta,
e não escapam nem os degraus da escada!

A Casa de Julieta é um bom exemplo do tipo da maravilhosa brincadeira que muito se vê na Europa. Afastamo-nos rindo e dirigimo-nos ao Jardim Giusti.

Il Giardino Giusti

Logo à entrada do jardim vêem-se vários ciprestes. O mais alto de todos, à direita do portão, é aquele à sombra do qual Goethe, encantado, apoiou-se e ficou longo tempo a meditar. O escritor John Evelyn, após visitar Verona em 1661, disse considerar este o mais belo jardim da Europa. Ao longo dos séculos, o local tem sido visitado – e louvado – por reis e todo tipo imaginável de celebridades.
Projetado em 1580 como outros jardins do período, combina o natural com o artificial. Assim, na parte baixa está o jardim clássico “de doce geometria”, com cercas vivas podadas formando caixas, trilhas de seixos, flores e plantas em grandes vasos, fontes exuberantes e até um labirinto, tudo entre belíssimas estátuas de mármore. Na parte alta está o bosque selvagem, natural, contendo plantas exóticas. Uma dessas plantas, que também filmei para documenar, tinha agressivos espinhos no centro das folhas.
Bem ao meio da alta colina onde se localiza o bosque, está a construção Il Masquerone, uma cara de monstro com uns três metros de diâmetro, voltada pra todo o esplendor do jardim e do Palácio Giusti, de cujo topo tem-se magnífica vista de Verona.

O portão de entrada ao Jardim Giusti. O cipreste mais alto é aquele
em que Goethe se apoiou para contemplar o jardim e meditar.
Os outros ciprestes são sempre podados para que nunca
ultrapassem a altura do cipreste de Goethe.


Francisco Souto Neto repete o gesto de Goethe,
apoiando-se no mesmo cipreste...

Rubens Faria Gonçalves no Jardim Giusti

Esta é a mariposa-beija-flor, ou mariposa-colibri (macroglossum stellatarum),
um inseto que imita os beija-flores enquanto colhe o néctar das flores,
exatamente como aquelas aves. Trata-se de um mimetismo da
Natureza para enganar os predadores. Foto encontrada na internet.


Vi o que pensei ser um minúsculo beija-flor, com uns dois ou três centímetros de comprimento, tomando néctar das flores do setor selvagem do Giardino Giusti. Ele era rapidíssimo, como costumam ser os beija-flores. Filmei-o por várias vezes, mas ele sempre se deslocava do meu foco. Meu amigo Rubens Gonçalves riu-se, exclamando: “Isso aí é um inseto!”. Discordei. Porém, quando de volta ao Brasil, notei no meu próprio filme que a criatura voadora tinha duas antenas. E logo depois, numa enciclopédia sobre insetos, encontrei a solução: tratava-se, mesmo, de um inseto que, pela semelhança com os beija-flores – e num mimetismo para afastar predadores – quando visto muito rapidamente chega a enganar até mesmo aos experts.
Logo depois, no trem, retornando a Veneza, eu ia pensando no enorme fascínio que a Itália exerce sobre mim na imensa riqueza histórica e cultural do invejável e extraordinário país.
Ilustrações originais: Foto 1 – Souto aponta à porta grafitada da Casa de Julieta. 2 – A parte baixa do Jardim Giusti. 3 – Rubens e o seio direito de Julieta.

-o-


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