Jornal do Centro Cívico Ano 3 – Março 2005 – Nº 25
Diretor-presidente: José Gil de Almeida
Página 13:
Capa:
PRETO E BRANCO, OS COELHOS DO CENTRO CÍVICO
Francisco Souto Neto
Quando pela primeira vez vi os dois coelhos, um preto e outro branco – daí, seus nomes – atravessando a movimentada Rua Mauá no Centro Cívico, não acreditei nos meus olhos. Para as funcionárias da portaria do prédio onde resido, não havia novidade alguma, pois elas conheciam os dois animais há longa data.
Ambos os liporídeos são os animais de estimação do proprietário de uma casa contígua, usada como escritório. Logo que adquiridos, foram colocados num espaço cercado, no fundo do quintal. Mas eles cavaram sob a cerca, e passando pelas frestas do portão de metal, ganharam a rua e acostumaram-se à liberdade.
Se eu não os conhecia há mais tempo, foi porque não coincidiu que eu passasse no exato momento em que os animais estivessem na calçada ou atravessando a rua, já que o habitual é que estejam no meio-fio, ao lado dos carros estacionados, comendo alguns matinhos que, sorte deles, não têm sido cortados pelos funcionários da prefeitura.
Ambos os coelhos costumam visitar os jardins dos prédios adjacentes, e os moradores já se habituaram à presença dos mesmos. Até os motoristas tomam cuidado para que os bichinhos não sejam atropelados. Dentro dessa aparente tranquilidade, Branco e Preto dão à rua um aspecto bucólico, agradável, e fazem com que nos sintamos mais integrados à Natureza.
Preto.
Branco.
Porém, repito, a tranquilidade é apenas aparente, porque do mesmo modo como despertam os bons sentimentos nas pessoas mais educadas, há aqueles indivíduos que tentam agarrar os animais e levá-los para sabe-se lá que incógnito destino. Na semana passada, quando saí para passear com meu chihuahua Paco Ramirez, vi sete adolescentes tentando agarrar os animais. Tive que gritar com os jovens, que me lembraram os velhos filmes farwest, quando os índios americanos – demonizados pelo falso cinema da minha infância –, montados em cavalos, corriam em círculo ao redor dos colonizadores, para tirar-lhes os escalpos. Não foram os meus gritos de protesto que fizeram parar os delinquentes, mas a rapidez com que os coelhos fugiram deles para o jardim de um prédio próximo.
Noutra ocasião, vi um homem que tentava alcançar os animais que se esconderam sob um dos carros estacionados. Tratei de intervir, dizendo ao indivíduo que os bichos tinham dono. Desapontado, o homem foi embora. Como era alguém muito pobre e maltrapilho, temi que o destino dos coelhos pudesse ter sido a panela...
Vieram-me reflexões. Pareceu-me bem clara, através dos coelhinhos do Centro Cívico, a imensidão dos abismos sociais e a falta de educação que existem num país como o Brasil, de imensos e quase incontornáveis contrastes. Aquilo que para uns é motivo de admiração, alegria e respeito, para outros incita à violência, despertando-lhes os mais baixos instintos predatórios... ou, o que é ainda muito mais dramático – como no caso do maltrapilho –, pode impelir ao furto para matar a fome.
Em meio ao conflito existencial, não há como não nos entristecermos uma vez mais, com a dura realidade do eterno contraste entre o certo e o errado, entre o bonito e o feio, entre o Bem e o Mal.
-o-
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