sábado, 17 de setembro de 2011

Francisco Souto Neto: SALZBURG E MOZART, UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO

Jornal Água Verde – Ano 14 – Julho 2005 – Nº 287
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Página 13:

Capa:



SALZBURG E MOZART, UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO
Francisco Souto Neto


Chegando à austríaca Salzburg, o que primeiro salta à vista é a relação que tem essa cidade com a memória de seu filho mais famoso, Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Em frente às mercearias, padarias, bonbonnières e lojas congêneres, bem no meio da calçada, há figuras de Mozart em tamanho natural, de papelão, exibindo numa das mãos uma das atrações da localidade: o Bombom Mozart. As vitrines expõem seu licor mais famoso, o Licor Mozart. Assim como no Brasil os jovens distribuem folhetos com propagandas as mais diversas, em Salzburg, trajados de Mozart, com peruca branca e roupas de época, oferecem nos folhetos os horários onde os teatros locais, logo mais, realizarão concertos de Mozart. A porta da casa onde nasceu o famoso compositor, e também daquela onde ele residiu durante determinado período, têm sempre turistas entrando e saindo.

Francisco Souto Neto nas ruas de Salzburg, ao lado de um cartaz 
 tridimensional em que o compositor Wolfgang Amadeus Mozart
oferece ou exibe um bombom, o "Bombom Mozart". À esquerda,
sobre a foto, o papel do bombom que foi muito bem saboreado... 

Souto Neto em frente a uma casa comercial na
principal rua de pedestres de Salzburg.

Na mesma rua principal, atrás de Rubens Gonçalves, uma
joalheria com a parte superior de porta e vitrine enfeitadas
com flores, o que ali é habitual a quase todas as casas comerciais.

Entrei na casa natal, vi o violino, o cravo, alguns objetos pessoais, e também o único retrato fidedigno conhecido, inacabado, feito pelo cunhado do compositor. Fui ao quarto dos fundos, onde dormia o menino-gênio. Depois, ao debruçar-me na janela da sala, olhei para baixo e vi no meio da rua uma multidão imóvel – talvez um grupo em excursão – olhando para o lugar onde eu me encontrava, fotografando e filmando sem parar.


Este retrato de Mozart é uma pintura inacabada,
feita pelo seu cunhado. É o único retrato fidedigno
do compositor. Todos os demais são idealizados, isto
é, frutos da imaginação dos artistas através dos tempos.

No 3º andar do edifício amarelo atrás de Rubens Faria Gonçalves,
situa-se a casa natal de Mozart. Ali nasceu o compositor, onde viveu
seus primeiros anos na companhia dos pais.

Souto Neto na entrada da residência
onde viveu Mozart já adulto e famoso.

Mozart – melhor dizendo, a memória de Mozart – move hoje a cidade de Salzburg, cidade que, entretanto, maltratou e humilhou o compositor durante a sua curta vida.

Maltratando Mozart

Ao visitar os subterrâneos da catedral de Salzburg, em companhia de Rubens Faria Gonçalves, entrei na cripta onde estão sepultados os príncipes-arcebispos que eram os governantes da cidade. Meu amigo correu os olhos pelas lápides e comentou: “Para mim, todos desconhecidos. E o mais importante nome de Salzburg foi enterrado como indigente, em lugar não identificado”. Efetivamente, Mozart morreu na miséria, no dia 5 de dezembro de 1791, aos 35 anos, vítima de nefrite aguda. Devido a uma grande tempestade de neve na hora do seu enterro, somente duas pessoas acompanharam o corpo ao cemitério. Lá chegando, foi enterrado em vala comum. Alguns dias depois, quando a sua viúva procurou localizar o lugar, com o objetivo de ali colocar uma cruz, ninguém soube informar-lhe. Os restos mortais de Mozart perderam-se para sempre.
Em contraste, o começo da vida do menino-gênio foi um sucesso jamais visto ou repetido na História: com a idade de quatro anos, Mozart compôs o seu primeiro concerto: a primeira sinfonia foi assinada aos sete anos. Aos doze, completou a primeira ópera.
A imperatriz Maria Tereza, que ouvira comentários sobre o menino-prodígio que vinha empolgando Salzburg e Viena, chamou-o ao Palácio de Schönnbrunn para um sarau musical. O garoto, então aos dez anos, era compositor, cravista, e suplantava muitos dos maiores intérpretes da época. Quando Mozart entrou no elegantíssimo salão, escorregou no assoalho muito polido e levou um enorme tombo. Filha da imperatriz, a princesinha Maria Antonieta (que mais tarde viria a ser a trágica rainha da França) acorreu em seu socorro. O menino pôs-se em pé e agradeceu à princesa nestes termos: “Você é muito bondosa. Quando crescer, quer se casar comigo?”, dando-lhe um beijo. Sua espontaneidade encantou a corte e Mozart conquistou a simpatia da Áustria.
Nos primeiros anos, ele foi famoso e feliz, deu concertos para reis, imperadores, e até para o Papa em Roma. Excursionou por toda Europa e foi aclamado por multidões. Mas Mozart gastava mais do que ganhava.
Depois vieram infortúnios em sua vida pessoal, ao mesmo tempo que o público frívolo e fútil se desinteressou da sua obra. A nobreza passou a considerá-lo um vassalo comum, útil só para os seus momentos de lazer. O arcebispo Heronimus, conde de Colloredo e dirigente de Salzburg, humilhava-o constantemente, obrigando-o a fazer refeições com a criadagem, ao lado de cozinheiros e copeiros. A própria imperatriz Maria Tereza impediu que seu filho Ferdinando, duque da Lombardia, o contratasse, sob a alegação de que “os músicos que se põem a rodar pelo mundo à maneira de pedintes, não contribuem para a boa fama da profissão”.

Amor & ódio

Assim, o amor inicial de Salzburg por Mozart desfez-se, arrastando o músico à miséria. Este passou a devotar ódio à cidade, tendo certa vez afirmado que “preferiria tocar diante de cadeiras vazias, do que para os moradores daquela ‘terra de mendigos’ ”.
Após sua morte, o mundo reconheceu a genialidade sem limites do compositor, e a beleza e a perfeição aliadas ao sublime no contexto das partituras.
Hoje, Salzburg ama a memória de Mozart e a sua música eterna, tanto – ou mais – quanto nós. E enquanto os seus príncipes-arcebispos jazem no esquecimento da cripta da igreja, Mozart vive para sempre nos ouvidos, corações e mentes dos amantes da sua música que se distingue como uma das melhores de toda a História da Humanidade.

-o-

Nenhum comentário:

Postar um comentário